Antigos aliados, Sérgio Moro (União Brasil) e o senador Alvaro Dias (Podemos) agora trocam acusações diversas, em meio à disputa pela única vaga no Senado pelo Paraná. Em outra frente, o Podemos, legenda que lançaria o ex-juiz da Operação Lava Jato à Presidência da República, diz que ele usou dinheiro público para beneficiar um amigo, dono de uma consultoria jurídica. O partido quer a restituição de valores, enquanto o ex-ministro da Justiça afirma que a sigla pratica corrupção e lavagem de dinheiro.
A disputa entre Moro e Dias já parou na Justiça. O ex-juiz acionou o senador no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) para derrubar a veiculação de uma propaganda eleitoral do parlamentar, supostamente irregular. O caso foi aberto na noite de terça-feira (30). Dias foi maior entusiasta da entrada de Moro na política e defensor ferrenho da Lava Jato, mesmo quando a operação vivia a derrocada por causa das acusações de parcialidade e outras irregularidades.
O senador queria Moro como candidato a presidente, mas, com as fracassadas tentativas de lançar seu nome no Podemos e o veto da Justiça Eleitoral à candidatura ao Senado do ex-juiz por São Paulo – ele não comprovou domicílio no estado –, Moro decidiu concorrer ao mesmo cargo pelo Paraná, onde Álvaro Dias sempre atuou politicamente.
No caso da ação de Moro contra Dias, o advogado do ex-juiz diz que o senador enviou a emissoras de rádio peça com resultados da pesquisa Ipec (antigo Ibope) sem citar todos os dados previstos em lei. Não houve, segundo a ação, alusão ao período em que foi feito o levantamento, número de entrevistados nem margem de erro. A defesa pede a suspensão da divulgação, sob pena de multa de R$ 5 mil.
Conforme a pesquisa Ipec citada por Dias, ele lidera a corrida pelo Senado com 35% da preferência do eleitorado paranaense. Já Moro tem 24% e Paulo Martins, do PL de Jair Bolsonaro, 4%.
O Podemos, que pretendia lançar Moro como candidato a presidente do Brasil – ele se filiou em novembro de 2021, em evento com tom de campanha –, também acusa o ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro de exigir que o Fundo Partidário fosse usado para pagar personal stylist, alfaiataria, roupas, sapatos e óculos de grife, entre outros itens e “hábitos de luxo”. Moro negou tudo.
“É uma clara prática da velha política. Cortina de fumaça para esconder o principal: os indícios de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo a alta cúpula do Podemos, encontrados e formalizados no relatório de auditoria que foi revelado pela revista Veja. A falta da tomada de qualquer providência pelos dirigentes e o fim prematuro da auditoria determinaram a minha saída do partido”, disse o ex-juiz ao Estado de S. Paulo.
De acordo com Moro, o assunto era conhecido também por Álvaro Dias. “Decidiram não tomar qualquer medida após o resultado preliminar. Essa é a principal razão que me levou a sair do partido”, afirmou Moro. O senador informou, por meio de sua assessoria, que não integra a direção do Podemos e quem pode comentar o assunto é a presidente da legenda, deputada Renata Abreu, e o próprio partido.
O aliado do ex-juiz no centro da briga com o Podemos é Luis Felipe Cunha, primeiro-suplente ao Senado na chapa do ex-ministro. Amigo do ex-juiz há mais de uma década, Cunha é dono da consultoria Bella Ciao, que recebeu R$ 60 mil do partido para colaborar na elaboração do programa de governo do então presidenciável. Segundo a legenda, o serviço não foi prestado e ainda acusa Cunha de ter tentado buscar outras formas de receber dinheiro do Fundo Partidário.
“A despeito de todo e qualquer pedido, o Podemos jamais aceitou pagar qualquer despesa pessoal do senhor Sérgio Moro. Além disso, não admite a manutenção de contratos que não tenham comprovação de execução. A não entrega de relatórios de prestação de serviços foi a razão da suspensão de pagamentos à consultoria do Bella Ciao, cujo sócio é Luis Felipe Cunha, indicado pelo senhor Sérgio Moro como seu assessor direto”, disse o Podemos, por meio de nota oficial.
O partido afirmou, ainda, que Cunha queria fechar um segundo contrato por meio de seu escritório de advocacia Vosgerau e Cunha Advogados Associados, mas o pedido teria sido negado, segundo a legenda, “por inexistir objeto para o serviço”.
Especialista em contencioso, Cunha teve em sua clientela a Petrobras – que esteve no centro da Lava Jato –, o Sesc de Brasília e jogadores de futebol. Ele entrou na campanha pré-campanha de Moro à Presidência em meados de dezembro, quando o ex-juiz começava a se distanciar da cúpula do Podemos.
Com a chegada de Cunha, começou uma disputa por dinheiro entre a equipe do ex-ministro e a presidente do Podemos, Renata Abreu. O partido se comprometeu a dar R$ 40 milhões para a campanha de Moro. Integrantes da legenda afirmaram ao Estado de S. Paulo que Moro e Cunha pediam R$ 70 milhões.
“Em nome de Moro, Luis Felipe Cunha fazia questão de mostrar as notas de alto valor ao Podemos, para pressionar por mais pagamentos. Ele chegou a preparar mais um contrato também no valor de R$ 30 mil, justificando ‘ser caro a manutenção do estilo de vida de Sergio’”, disse o Podemos, também na nota.
“Aliás, a decisão de filiação de Moro ao Podemos começou no estilo ‘proposta indecente’: que o partido custeasse um salário de R$ 40 mil – remuneração de ministro do STF – e pelo prazo de quatro anos, a pretexto de lhe garantir segurança familiar e o luxo ao qual está habituado, caso o projeto eleitoral naufragasse”, completou o partido.
Moro negou que tenha pedido ou recebido desembolso, mas admite que a empresa do aliado recebeu recursos do Podemos. “Bella Ciao foi a consultoria que auxiliou o partido na formulação do plano de governo, tendo recebido parcialmente pelos serviços prestados”, afirmou.
Moro diz que as acusações do Podemos se devem ao fato dele não ter aceitado a existência de uma suposta rede de captação ilegal de dinheiro que envolveria a cúpula do partido. Segundo reportagem da Veja, a investigação teria sido feita de maneira sigilosa e o caso batizado de Operação Cerrado. O documento final da auditoria, que foi obtido pela revista, teria sido apresentado por uma empresa de compliance que Moro alega ter exigido a contratação.
Os auditores listam operações “estranhas” e coincidências como a de uma funcionária do partido que montou uma empresa de transporte e em seguida assinou contrato com uma prefeitura do interior de São Paulo na base da presidente da sigla, Renata Abreu.
O partido rebateu: “Inicialmente é necessário informar, corretamente, que a conclusão da auditoria interna foi de que não há qualquer irregularidade no Podemos, sendo que o resultado foi apenas consolidado pela empresa em 21 de julho, muito tempo após a saída de Sérgio Moro do partido que ocorreu em março”.
O suplente de Moro no Paraná foi decisivo na contratação da agência que atendeu o Podemos na pré-campanha, na qual trabalhava o marqueteiro Pablo Nobel. Ele assumiu a pré-campanha do ex-juiz, mas ficou sem receber após a ida dele para o União Brasil e por isso recorreu à Justiça. Hoje, Nobel atua na campanha de Tarcísio de Freitas (Republicanos), candidato a governador de São Paulo apoiado por Bolsonaro – Tarcísio era ministro da Infraestrutura do atual governo.
Cunha era figura presente em reuniões estratégicas de pré-campanha no Hotel Intercontinental, em São Paulo. Custeado pelo partido para hospedar Moro, o estabelecimento também foi palco da reunião que selou a ida do ex-juiz para o União Brasil.
Ao Estado de S. Paulo, o advogado disse que sua empresa foi contratada pela Fundação Podemos para “elaborar um projeto de melhorias para o País, visando subsidiar uma possível candidatura presidencial”, mas que o partido ainda está devendo pelos serviços prestados.
“O trabalho vinha sendo desenvolvido regularmente com a previsão de pagamentos mensais. Entretanto, somente as duas primeiras parcelas referentes à prestação do serviço foram efetivamente quitadas”, disse.
Cunha afirmou, ainda, que a “situação de inadimplência” teria afetado outros prestadores de serviços contratados pelo Podemos no período. Segundo o advogado, a equipe de marketing contratada não foi remunerada pelo trabalho referente a propagandas partidárias veiculadas. (Com Estadão Conteúdo)
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