O Regime de Recuperação Fiscal (RRF) se tornou o principal tema de debate entre os candidatos a governador de Minas Gerais nas últimas semanas. Defendido pelo governador Romeu Zema (Novo), o programa de renegociação de dívidas é criticado por candidatos que propõem usar o peso político do Estado para obter condições mais favoráveis de pagamento junto ao governo federal ou que são totalmente contrários à adesão de Minas Gerais.
A lei que criou o Regime de Recuperação Fiscal foi aprovada em 2017 e modificada em 2021. A ideia é permitir que Estados em dificuldades financeiras renegociem as dívidas com a União. Como contrapartida, os governos estaduais têm que adotar uma série de medidas estruturais de contenção de gastos. O objetivo é alcançar o equilíbrio das contas públicas ao final de nove anos.
Minas Gerais deve R$ 149,2 bilhões à União. Deste total, o governo Zema já renegociou R$ 35,6 bilhões que serão pagos ao longo dos próximos 30 anos. O valor é referente às parcelas que o Estado deixou de pagar desde 2018, quando o então governador Fernando Pimentel (PT) conseguiu uma decisão liminar — provisória — no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender os pagamentos.
Se aderir ao RRF, Minas terá que desistir das liminares no STF. O programa permite que o Estado fique mais 12 meses sem quitar as parcelas, mas, depois disso, terá que pagar anualmente 11,11% da dívida restante durante os próximos nove anos.
Na visão de Zema, a adesão ao programa é condição essencial para que o governo conceda recomposições salariais ao funcionalismo e também realize novos concursos públicos.
“É de fundamental importância essa austeridade, o RRF, porque nós só temos uma fonte de recursos, que é a arrecadação (tributária) do Estado”, afirmou o governador recentemente durante evento de campanha em Juiz de Fora.
“O RRF é que vai dar essa folga no caixa e que vai proporcionar que novos profissionais, principalmente para a educação, venham a ser contratados”, continuou ele.
Na letra fria da lei que criou o Regime de Recuperação Fiscal, a realização de concursos públicos é proibida durante a vigência do programa, assim como a contratação de novos servidores, exceto nos casos de reposição de cargos de chefia e assessoramento ou de contratações temporárias. Além disso, a recomposição salarial é limitada à inflação.
Porém, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), órgão federal que cuida do RRF, entende que essas regras podem não ser cumpridas, dependendo da situação financeira de cada Estado, desde que isso esteja expressamente previsto no plano com as medidas que os governos estaduais tomarão para alcançar o equilíbrio fiscal.
Em julho, o STF autorizou Minas a solicitar a adesão ao RRF. Agora, o governo estadual negocia com o Tesouro Nacional quais serão as medidas tomadas para equilibrar as contas.
O governo Zema ainda não tornou este documento público. O prazo final da negociação é julho de 2023. Portanto, não está claro quais proibições, na visão da atual administração, serão seguidas e quais serão flexibilizadas, como, por exemplo, a realização de concursos sinalizada pelo governador.
Além disso, como um novo governador pode ser eleito, a posição do governo de Minas pode mudar a partir do ano que vem.
Kalil defende revogação do RRF
Principal adversário de Zema na eleição, Alexandre Kalil (PSD) já anunciou que o primeiro ato dele, se eleito governador, será revogar o pedido de adesão de Minas Gerais ao Regime de Recuperação Fiscal, pois as cláusulas, segundo o candidato, tem que ser rediscutidas “do zero”.
“A renegociação da dívida tem que ser feita, mas não pode ser do jeito que está. O que eu vou fazer é sentar com o presidente da República, que espero que seja o Lula, e negociar”, afirmou Kalil durante sabatina realizada no dia 5 de setembro por veículos de imprensa do Grupo Globo.
Ao tratar do tema, o ex-prefeito cita duas preocupações: a primeira é que servidores do Executivo que, com exceção da recomposição inflacionária relativa ao ano 2021, estão desde 2016 sem correção salarial, podem ficar mais nove anos sem aumento real de salário.
A segunda preocupação é que, com a proibição da contratação de novos servidores, o governo de Minas não teria como contratar médicos e funcionários para os seis hospitais regionais que serão concluídos com recursos do acordo da Vale.
“Como vamos rechear os hospitais? Com jogador de futebol? Está escrito que não pode contratar. Vamos ter enfermeira, atendente, quem limpa o chão, quem faz assepsia, quem atende na farmácia dentro do hospital, médico, da onde?”, questionou o candidato do PSD durante reunião recente com especialistas em saúde da UFMG.
O candidato Carlos Viana (PL) tem postura semelhante. Ele defende a adesão ao RRF, mas usa como exemplo o caso do Rio de Janeiro para argumentar que as regras do modelo atual engessam o Estado e diminuem a qualidade de vida da população.
“Nós estávamos discutindo em Brasília junto com o presidente Jair Bolsonaro um novo modelo de recuperação fiscal para que Minas pudesse evitar o que aconteceu no Rio de Janeiro”, declarou ele, acrescentando que a renegociação da dívida e a extensão dos prazos de pagamento proporcionadas pelo RRF, assim como a possibilidade de tomar novos financiamentos, são “fundamentais” para equilibrar as finanças públicas de Minas.
Já Marcus Pestana (PSDB) afirma que a renegociação da dívida, pela legislação nacional, terá que acontecer via Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Ele, no entanto, levanta a possibilidade de alterar a lei que criou o programa.
“É preciso analisar bem o assunto e, se necessário, usar a força da bancada mineira e dos três senadores de Minas para, junto ao governo federal, obter as condições ideais para a renegociação da dívida do Estado”, disse o tucano.
Candidatas pedem suspensão e auditoria da dívida
A candidata a governadora Vanessa Portugal (PSTU) é “absolutamente contra” o Regime de Recuperação Fiscal pois, na visão dela, a adesão de Minas vai representar um apagão total nos serviços essenciais que o Estado tem que prestar à população.
“O Estado tem que suspender parte do pagamento da dívida com a União porque não é possível que a população passe fome, não tenha serviços essenciais básicos, para manter o pagamento de uma dívida ilegítima para a União, para que esta passe para banqueiros”, declarou ela.
Lorene Figueiredo (PSOL) também manifesta preocupação com os efeitos do RRF, pois considera que ele vai retirar capacidade de investimento do governo de Minas em um momento em que a população enfrenta desemprego, fome e queda dos rendimentos advindos do trabalho.
“Para renegociar, é preciso fazer uma auditoria da dívida. Precisamos saber quanto já pagamos e quanto a gente deve. Só assim poderemos renegociar em termos favoráveis para os trabalhadores e trabalhadoras de Minas Gerais”, afirmou a candidata a governadora.