Partimpim acaba de completar 20 anos. Apesar da maioridade, continua sinônimo de música para criança. Criado por Adriana Calcanhotto, a cantora gaúcha não quis comemorar a data apenas com um revival dos três discos lançados (em 2004, 2009 e 2012) com o heterônimo, um grande sucesso entre crianças de várias gerações. "Comecei a pensar que gostaria de comemorar com um disco novo. Vi que daria, na agenda, na vida, no tempo e depois que eu ouvi o disco 'Xande de Pilares Cantando Caetano', produzido pelo Pretinho (da Serrinha)", registra Adriana, citando um nome fundamental para o disco "Quarto", que chega hoje às plataformas de streaming.
"Aquilo antecipou um pouco o que eu naturalmente iria fazer. O que foi muito bom, porque formatou mais uma coisa na minha cabeça. Ele me relatou que, no disco de Xande, as coisas eram mais espontâneas e mais simples do que elas pareciam na minha escuta. Gostei muito da timbragem, dos graves, a coisa ao mesmo tempo muito espontânea e viva... Em muitos aspectos, nesse encontro com o Pretinho, as coisas saíram melhor do que eu imaginava. Ele tem muitas coisas parecidas comigo, no sentido, por exemplo, de eu ter uma ideia e dizer para ir lá e gravar. Só que você erra e fica mais bonito que aquele possível acerto que você foi para fazer. E você fica com o erro porque é mais legal. Não é todo mundo que trabalha assim", elogia.
O repertório conta com canções próprias e de autores como Marisa Monte, Rita Lee, Vitor Ramil e até de fenômenos do TikTok como Jovem Dionisio. "Eu parto de uma lista grande que eu tenho e aí as coisas vão acontecendo.O repertório, na verdade, está sempre sendo trabalhado. Ouço uma coisa e aquilo vai para a lista. Quando eu vi a Rita Lee cantando 'O Bode e a Cabra' num DVD, no mesmo instante eu vi que era Partimpim. Até achei que era uma versão dela, mas depois soube que não era (a autoria é de Renato Barros). Então, são as canções que vão comandando tudo. Na hora que realmente eu vou fazer, eu tenho um primeiro repertório", detalha.
O processo de produção foi feito sem qualquer pressa, nos espaços da agenda de Adriana e Pretinho, o que também permitiu que "Quarto" abraçasse novidades e situações inspiradas em acontecimentos recentes. "A gente foi fazendo aos pouquinhos porque o Pretinho tinha compromissos e eu também. No meio do disco, nasceu o filho dele, o Tito, que eu chamo de Titopim. A gente já estava gravando o disco quando eu ouvi 'Tô Bem' (do Jovem Dionisio) na rede social e falei: 'Quero essa música'. O 'Boitatá' já estava comigo há alguns anos. A Marisa Monte me deu e eu disse que não tinha a menor ideia de quando sairia o quarto disco. E ela falou: 'Não tem problema. A música está aí com você. Quando for, será'", assinala.
"Tiveram acontecimentos também, como as chuvas no Rio Grande do Sul, que não adiaram nada do disco, mas que me fez tirar energia positiva para cantar como Partimpim de um lugar que eu não sei de onde saiu", comenta Adriana, sobre a tragédia ocorrida no final de abril, no estado sulista, que levou "Estrela, Estrela", de Vitor Ramil, para a seleção final. "Ela não estava na lista, mas as chuvas aconteceram, atravessaram o disco e me atravessaram. Eu fui cantar essa música na TV e muitos gaúchos me pediram: 'Grava, por favor'. E aquilo faz sentido no disco, ele viveu aquilo. É uma canção muito bonita e nunca tinha pensado nela neste sentido, de ser algo que dá esperança para crianças", afirma.
Inteligência artificial
O samba é que dá o tom de "Quarto", sempre conversando com outros ritmos. Nesse sentido, a cantora não poupa elogios a Pretinho. "Uma coisa que mais me chamou a atenção no disco do Xande é que as coisas surpreendentes que estão ali, no jeito de apresentar ritmicamente as canções de Caetano Veloso, que a gente conhece tão bem, não são uma tentativa de transformar a música, em levar de um ritmo para outro. É um pulso, sentido por quem está tocando. Tem algumas canções que o Caetano disse que, ao compor, sentia naquele lugar (risos) e, por circunstâncias, anos depois alguém vai lá e grava, exatamente como o compositor sentia. Trabalhando com Pretinho no estúdio, isso ficou muito claro. A gente tem isso em comum, em entender onde está o samba em qualquer ritmo".
Enquanto prepara uma nova turnê de Partimpim, com o repertório dos quatro álbuns, Adriana fará, a partir de janeiro, uma residência na universidade de Coimbra, em Portugal, onde já lecionou, para pesquisar o uso de inteligência artificial na composição musical. "É um campo que não está engessado ainda. Tem tudo ainda por inventar, por descobrir. E a gente tem a oportunidade de pensar a inteligência. Hoje em dia consideramos a inteligência como o acúmulo de informações, quando, na verdade, antes a pensávamos como a forma como lidamos com a informação. Das experiências que eu fiz por mim mesma com IA, minha constatação é que, como não tem afetos, ela consegue coisas que talvez um compositor não consiga, porque não se permitiria certas misturas, devido à moral, ao preconceito. Isso é o que me inspira especular", revela.