A soprano Eiko Senda lembra que, há 13 anos, era “jovenzinha ainda e cantava vocalmente, mas não entendia a dor desta mulher furiosa”. Ela se refere a Abigail, a personagem vingativa de “Nabucco”, ópera composta pelo italiano Giuseppe Verdi em 1842, que ganha uma nova montagem pela Fundação Clóvis Salgado, com estreia amanhã no Grande Teatro do Palácio das Artes.

“É preciso ter maturidade e psicológico para entender essa personagem”, assinala a solista, que nasceu em Osaka, no Japão, e veio para o Brasil em 1995. “Achava que seria a sucessora do pai, Nabucodonosor, mas encontra um documento em que descobre ser filha de uma escrava judia. Abandonada pelo pai e pelo namorado, a única maneira que tem é ficar com o poder. É muito humano, né?”, analisa.

Apesar de retratar uma história que se passa na época da Babilônia, por volta de 550 antes de Cristo, a ópera traz discussões que estão na ordem do dia. Baseada em passagens bíblicas do Antigo Testamento, mostra os judeus sendo escravizados e exilados de sua terra por Nabucodonosor. O que nos leva à origem de Israel e ao início do conflito do país com seus vizinhos do Oriente Médio.

“Cada um de nós que assistimos à ópera ou que participamos dela tem as suas próprias leituras. A gente não impõe nenhuma opinião a ninguém. Todos têm a liberdade de pensar o que quiser, mas é um tema importante, e agora temos que refletir sobre isso. É uma maneira de também trazer na arte um tema para reflexão de um momento social”, observa Ligia Amadio, regente da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais.

Com a batuta, ela tem um currículo extenso de quase três décadas. Mas vive uma experiência inédita ao reger “Nabucco”. “É a primeira vez que estou regendo essa ópera. E, para mim, ela é completamente emocionante do começo ao fim. Eu curto todas as notas. O Verdi era um gênio absoluto. É uma obra de uma potência todo o tempo, até mesmo em suas partes mais singelas”.

Dividida em quatro atos, “Nabucco” tem duas horas e 30 minutos de duração, mas, ao final, “parece que só passou meia hora”, garante Ligia. Boa parte disso se explica, segundo ela, pelo fato de ser uma ópera cheia de emoções. “Transita entre momentos de ira, perseguição, revolta, lirismo, amor e conversão espiritual. Musicalmente, Verdi constrói esses momentos com muita perfeição”, destaca.

“Nabucco” vem na sequência de produções da Fundação Clóvis Salgado que se voltam para a questão da fé. A anterior foi “Devoção”, apresentada em julho. Até a forma de se apresentar ao público tem repetido um padrão. Com “Devoção”, a estreia aconteceu no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas. No último domingo, “Nabucco” foi levado para a basílica Nossa Senhora da Piedade, em Caeté.

“São pontos turísticos de Minas Gerais, lugares do nosso Estado que queremos mostrar, que estão preservados e são encantadores. O público, às vezes, não tem conhecimento desses lugares”, afirma Claudia Malta, diretora artística da Fundação Clóvis Salgado, citando também a apresentação de “Matraga” na Gruta do Maquiné, em Cordisburgo, no ano passado.

A obra de Giuseppe Verdi reaparece na programação de ópera da instituição mineira por outro bom motivo: preservação da memória. “Temos feito muito isto: repetir títulos para recuperar cenários e figurinos, preservando-os para cada vez que pudermos reutilizar. Assim estamos recuperando o nosso próprio acervo”, explica Claudia Malta, que também assina a direção de “Nabucco”.

A ópera tem concepção e direção cênica de André Heller-Lopes e participação também do Coral Lírico de Minas Gerais. Além de Eiko Senda, conta com Rodrigo Esteves, Denise de Freitas, Sávio Sperandio, Giovanni Tristacci e Cristiano Rocha entre os solistas. Quem não garantiu lugar nas quatro apresentações (amanhã, sábado, segunda e quarta) terá que esperar uma próxima oportunidade. Os ingressos já estão esgotados.

SERVIÇO
O quê. Ópera “Nabucco”
Quando. Amanhã, sábado (19), segunda (21) e quarta (23)
Onde. Grande Teatro do Palácio das Artes (avenida Afonso Pena, 1.537, centro)
Quanto. Ingressos esgotados