Perseguidas por se rebelarem contra imposições políticas e religiosas de seu tempo, continuando a realizar práticas que a sociedade de então não compreendia e tratava como "ocultismo", as bruxas foram transformadas, com o tempo, na representação simbólica da maldade, da inveja, do medo. É assim que elas surgem, por exemplo, em fábulas e nos clássicos contos de fada. Mais recentemente, contudo, esse arquétipo ganhou outras interpretações, passando a simbolizar a força de mulheres insubmissas e se tornando um arquétipo reivindicado pelo feminismo.

À luz dessa interpretação mais recente, parece especialmente oportuno que a Galeria de Arte BDMG Cultural inaugure nesta sexta-feira (1º/11), na ressaca do Dia das Bruxas, a exposição “Garotas, garotas”, apresentando uma série de obras da artista e pesquisadora Leíner Hoki, que retrata a amizade de mulheres lésbicas e encerra o Ciclo de Mostras 2024.

A artista 'nipo-caipira' Leíner Hoki
A artista 'nipo-caipira' Leíner Hoki | Crédito: Dynelle Coelho/Divulgação

No equipamento que integra o Circuito Liberdade — mas cuja continuidade está ameaçada pela decisão do BDMG de extinguir seu braço cultural (leia mais abaixo) —, entram em cena personagens de diferentes gerações, raça e classe em 17 pinturas a óleo e sete desenhos em nanquim. “Os trabalhos foram baseados em um arquivo fotográfico de Leíner Hoki, realizado entre 2017 e 2019, quando um grupo de amigas mineiras da artista, nascidas nos anos 1990, se encontra com o grupo de amigas mato-grossenses da sua tia, nascidas entre 1964 e 1980”, explica a instituição.

“A partir desses encontros, essas mulheres criam um mundo possível, onde cantam karaokê, jogam Imagem & Ação, namoram, vão à praia, bebem cerveja, passam protetor solar, conversam e riem”, prossegue o texto de apresentação.

Leíner Hoki apresenta telas que serão exibidas na Galeria de Arte BDMG Cultural | Crédito: Dynelle Coelho/Divulgação
Leíner Hoki apresenta telas que serão exibidas na Galeria de Arte BDMG Cultural | Crédito: Dynelle Coelho/Divulgação

Leíner Hoki, aliás, se apresenta como nipo-caipira, sendo nascida em Cuiabá, no Mato Grosso, em 1992. Escritora, poeta-pesquisadora, arte educadora popular e artista visual, ela é formada em Artes Visuais pela Escola de Belas Artes da UFMG, onde fez mestrado, em 2020, e, atualmente, prepara seu doutorado.

“Em 2019, em algumas férias, viajamos juntas para o litoral de São Paulo e um tempo depois as belo-horizontinas foram para Cuiabá. Como sempre, fotografei e filmei muito. Escrevi muito sobre tudo. E essas imagens imediatamente começaram a habitar minha cabeça. Comecei a pintá-las em 2020. Mas, nesse processo de colagens, fui relacionando tudo isso com a minha pesquisa sobre poetas e artistas lésbicas-bissexuais-não-bináries-sapatonas entre outras mais identidades”, narra a artista, situando ter inspirado o título da exposição no livro “Garotas em tempos suspensos”, da poeta argentina Tamara Kamenszain.

As obras selecionadas para a exposição se relacionam com a pesquisa de Leíner Hoki que resultou no livro “Tríbades, Safistas, Sapatonas do mundo, uni-vos”, finalista do Prêmio Jabuti em 2022. “Acho que as obras da exposição são o ‘outro lado da moeda’ dessa pesquisa. E pela primeira vez, posso mostrar aonde cheguei, em imagem. No livro, escrevo ensaios e poema-ensaios, uso seu espaço para testar com as palavras. Agora, mostro meu teste em imagens: desenhos e pinturas”, situa.

SERVIÇO:
O quê. Abertura da exposição “Garotas, garotas”
Quando. Nesta sexta-feira (1º), às 19h. Mostra segue em exibição até 8 de dezembro. Visitação diariamente das 10h às 18h; quintas-feiras, das 10h às 21h.
Onde. Galeria de Arte BDMG Cultural (rua Bernardo Guimarães, 1600, Lourdes)
Quanto. Entrada gratuita

Entenda a crise envolvendo o BDMG Cultural

Reviravoltas pautaram os últimos meses do BDMG Cultural, cujas ações têm sido marcadas por um clima de apreensão diante das incertezas em torno da continuidade de suas iniciativas em 2025. Uma crise que pode fazer de “Garotas, garotas” a última exposição realizada na Galeria de Arte da instituição.

A extinção da entidade foi anunciada em abril, causando surpresa a artistas, funcionários e servidores e motivando uma série de protestos de pessoas ligadas à cultura, que contestam a decisão do conselho do banco público estadual e alegam que a ação representa uma “caça às bruxas”: uma suposta retaliação a posicionamentos políticos de funcionários e servidores do lugar.

Após a repercussão negativa da medida, porém, Jefferson da Fonseca Coutinho, presidente da Fundação de Artes de Ouro Preto (Faop), ainda na expectativa de ser empossado presidente do BDMG Cultural, disse, em entrevista a O TEMPO, em 25 de abril, que ações e programas antes encabeçados pela entidade seriam continuados, sugerindo que a Galeria de Arte poderia passar a ser administrada pela Faop. 

Coutinho havia sido escolhido pelo Conselho de Administração do BDMG. A expectativa era que ele fosse o responsável pela condução da transição na instituição para realinhar os investimentos do banco e fortalecer a cultura no Estado.

Contudo, em outro capítulo envolvendo a crise em torno do encerramento das atividades da instituição, ele renunciou à presidência da entidade menos de um mês depois, em 16 de maio. Ele havia sido nomeado oficialmente para o cargo há menos de duas semanas. Com o movimento, a entidade voltou a ser presidida interinamente pela diretora financeira Larissa D’Arc, até que foi assumida por Luiz Felipe Braga Bastos, que ocupou o cargo de “diretor liquidante” do BDMG Cultural.

A renúncia de Jefferson Coutinho aconteceu poucos dias após a realização de uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em que parlamentares buscaram explicações para a decisão do conselho do banco de se dissolver a entidade cultural. A cerimônia foi marcada pela ausência de respostas de representantes do governo do Estado frente aos questionamentos.

Durante a audiência, a deputada Lohanna (PV), vice-presidente da Comissão de Cultura da ALMG, propôs estratégias para fazer frente a ameaça de encerramento do equipamento.

Uma das ações mencionadas por ela seria impetrar um mandado de segurança pedindo a reversão da decisão do Conselho do banco, que, segundo ela, não consultou a Associação dos Servidores do instituto, configurada como uma associação que tem como sócios e fundadores o BDMG e a Associação dos Funcionários do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (AFBDMG).

Até o momento, contudo, não há informações que confirmem que ações e programas antes encabeçados pela entidade serão, de fato, continuados.