Pablo Castro não se arrepende de nada. Depois de surgir como um dos mais promissores músicos de sua geração com o lançamento de “A Outra Cidade”, em 2003, “disco conceitual coletivo com Makely Ka e Kristoff Silva”, em suas próprias palavras, ele se viu apartado de seu próprio meio graças a posicionamentos que questionavam tanto a eficiência das vacinas para imunização da Covid-19, no que ele chama de posição “francamente contra a agenda pandêmica”, quanto batiam de frente com o “aliciamento ideológico impositivo do identitarismo nas universidades e nos editais de cultura”. De certa forma, essa trajetória parece confirmar a definição particular de Pablo sobre música. “É um trabalho sutil entre a confirmação de expectativas e a surpresa…”.
Envolto nessas polêmicas, ele acaba de colocar na praça “O Riso e o Juízo”, seu segundo álbum solo, que sucede “Anterior” e demorou uma década para ficar pronto. “O disco teve esse tempo de produção dilatado por falta de financiamento. Foi feito de maneira completamente independente, sem nenhum aporte de recursos públicos, o que, se por um lado fez com o que o processo demorasse mais do que eu esperava, por outro me deixa bastante confortável para seguir fazendo uma crítica sagaz e implacável às políticas públicas”, destaca Pablo, que também aproveitou a espera para a maturação das onze inéditas do repertório autoral, em que, além do habitual parceiro Luiz Henrique Garcia, assina faixas com medalhões como Lô Borges e Murilo Antunes.
Encontros
As parcerias com os ícones do Clube da Esquina nas duas canções que encerram o álbum parecem desmentir o isolamento que Pablo enfrenta no cenário cultural mineiro, assim como a participação especial de seu contemporâneo e conterrâneo Sérgio Pererê em “O Povo Prometido”, que “embora reconheça a injustiça e a opressão que havia na formação do Brasil, enaltece a mestiçagem e o sentimento nacional de uma nação original, a mais original de todas”.
“A presença do Pererê foi muito importante para o sentido da letra e a sonoridade profunda da música, com essa exuberância vocal do afro-brasileiro-mineiro único que ele é. Essa música é um brado a favor do povo brasileiro que tem importância vital para o meu discurso”, defende Pablo.
O encontro com Lô, que ele reputa como “decisivo”, começou em 2013, ao escrever o prefácio para o primeiro songbook de seu artista predileto do Clube da Esquina. Na sequência, Pablo dirigiu a turnê nacional do aclamado “Disco do Tênis”, que se tornou DVD. A aproximação que resultou em “Por Todo o Universo”, e ainda agregou o letrista Luiz Henrique Garcia, estava “predestinada”.
“Além de parceria, é uma homenagem que aborda toda a característica melódica e harmônica típica do Lô”, observa Pablo. Já a letra de “Voz Ativa”, escrita por Murilo Antunes, se encaixou feito ímã à embocadura do anfitrião. “Ele me ajudou a botar em palavras certas inquietações que prenunciaram, com anos de antecedência, o processo de cancelamento e assassinato de reputação por que eu viria a passar. Tem vários versos que eu canto com muita convicção”, conta.
Desencontros
Ao apostar no formato álbum, Pablo nadou contra a maré hegemônica das plataformas digitais que privilegia os singles. “Esse modelo dos compactos avulsos que tende ao fragmentário é uma desconstrução de tudo aquilo que formou a minha geração, e gera um empobrecimento da própria experiência musical. O álbum ajuda a dar dinâmica, minúcias e sutilezas”, compara.
Embora não seja, a priori, contra esses artifícios contemporâneos, ele se coloca como “resistência a um processo que não é natural, mas regido pelo domínio de certos grupos econômicos sobre os dispositivos tecnológicos, e que redunda numa concentração de renda ainda mais injusta do que outrora”. Pablo, aliás, não nega a influência de figuras como Caetano Veloso, Edu Lobo, Chico Buarque e Gilberto Gil em sua nova lavra de canções, apesar dos pesares.
“A MPB é minha referência, como uma música predominantemente urbana e moderna na busca de soluções musicais e de letra que possam surpreender o ouvinte”, diz ele, que busca “sempre a inovação, mesmo que ao trilhar caminhos já navegados”. “A canção ainda tem muito o que dizer, embora esteja imersa numa diluição brutal”, avalia. A cisão com os ídolos musicais fica no campo ideológico, em que ele se alinha às críticas de outro polemista inveterado.
“Embora tenha falado muita bobagem, o Lobão tinha razão ao denunciar o ‘coronelismo’ dessa turma que foi muito prejudicial à renovação da própria canção popular como fenômeno de pensamento, sensibilidade e enriquecimento cultural, e que começou na época em que eles tentaram proibir as biografias não autorizadas, que revelou um ímpeto autoritário e obscurantista”, dispara.
Ruptura
O rompimento com o PT e o presidente Lula, a admiração pela obra de Caetano, Chico e Gil em contraponto ao desapreço pelas posições ideológicas aproximam Pablo do lugar conferido ao cantor Lobão em tempos recentes. Mas as semelhanças, segundo ele, param por aí. “Lobão já era um cara conhecido há décadas no Brasil, e quando ele rompe com esse discurso entre os pares, se, por um lado, acarreta prejuízos, também abre portas. No meu caso, não abriu nenhuma porta”, diz Pablo.
“Até porquê, eu nunca fui um cara ligado ao bolsonarismo ou nenhum movimento de direita. Sempre fui um sujeito de esquerda, com uma certa rebeldia. A esquerda que mudou radicalmente nos últimos anos. Eu rompi com o que se chama de esquerda hoje, e fiquei isolado”, constata. Mas, como Édith Piaf, ele não se arrepende.
“Acho que é um preço que se paga por ser livre. E o artista tem que ser livre. Eu não me submeto a dirigismo cultural, mesmo porque as migalhas que dão para quem se submete não tornam essas carreiras sustentáveis”, garante. O reconhecimento da qualidade artística de sua obra, inclusive por parte de seus detratores, mantém Pablo no paradoxo que parece ser sua sina, ao mesmo tempo “envaidecido e injustiçado”.
“Para artistas da minha geração, do meu lugar e da minha trajetória, a única alternativa prática para se manter uma carreira hoje é o acesso aos editais públicos. O que existe é uma relação de dependência em relação ao Estado que é péssima para os artistas e se torna um empecilho para a livre expressão da arte e do pensamento”, finaliza Pablo, que, no próximo dia 17, brinda o público do Clube de Jazz com suas canções afiadas…
Serviço
O quê. Lançamento do álbum “O Riso e o Juízo”, de Pablo Castro
Quando. Dia 17 de outubro (quinta-feira), às 20h30
Onde. Clube de Jazz do Café com Letras (rua Antônio de Albuquerque, 47)
Quanto. Entre R$20 e R$40 pelo site www.clubedejazzdocafe.com