Há quem prefira o clima mais caseiro das rodas de samba de fundo de quintal, e há quem busque mais decibéis, pista livre para dançar e clima de festa, mesmo que o relógio marque meio-dia e, no calendário, o dia seja uma segunda-feira. Ocorre que, em Belo Horizonte e região metropolitana, este que convencionalmente é o primeiro dia útil da semana, também virou dia de balada, ainda que embalada por pandeiro, cavaquinho e tamborim, em bares que, com salões amplos, som potente e estética urbana, acolhem um público disposto a suar a camisa já no início da tarde.
Oportunamente localizado na avenida Clara Nunes, via batizada em homenagem à cantora que se notabilizou como uma das principais vozes do samba no Brasil, que morou no Renascença entre 1958 e 1964, o Bar do Helmio II é um desses redutos do samba do meio da tarde das segundas-feiras desde abril, quando abraçou o projeto Sambaquií, que nasceu de uma conversa entre amigos e hoje lota a casa com público que varia dos 25 aos 55 anos, em média.
Com espaço para 300 pessoas, o salão é dividido em dois ambientes integrados: o primeiro, com mais mesas e cadeiras; o último, com poucos assentos e pensado para quem quer dançar. O som é mais alto, o clima é mais solto e a estrutura reforça a proposta informal: decoração industrial, paredes vermelhas e pretas, prateleiras metálicas, varandas cobertas rente à calçada e palco no mesmo nível do público.
“É engraçado. Parece que por ser um samba, na segunda-feira, tem sempre uma desconfiança. Fica essa dúvida se vai dar certo. Para falar a verdade, eu desconfio até hoje, porque é um projeto bem fora da curva”, reconhece Thiago Lopes, um dos organizadores. “O sucesso, então, surpreendeu muito, embora a gente soubesse que, em Belo Horizonte, muita gente folga na segunda. Então foi pensando justamente nessas pessoas – na galera que trabalha em eventos, em restaurante, nos cabeleireiros, manicures, a galera da área de segurança e o pessoal que é autônomo, o pessoal que trabalha fazendo seu próprio horário – a gente recebe muito motorista de aplicativo, por exemplo”, informa.
A programação começa ao meio-dia e vai até as 19h, com Sambatismo, na primeira metade do evento, e Resenha dos Amigos do Edgar, na última. Para participar é necessário confirmar presença por meio de um link disponibilizado no perfil do bar no Instagram. Na apresentação da última segunda-feira, um dos integrantes do grupo resumiu com precisão: “Não vem chamar de samba de segunda, porque é samba de primeira, de primeiríssima!”.
A barca afundou e todo mundo sambou
Em Contagem, na região metropolitana, o Carioca Lounge Bar também entrou com tudo nessa onda com o projeto Samba da Barcca Furada, inaugurado há cerca de quatro meses – cujo nome curioso não é à toa. “A gente achava que não ia dar certo. Segunda, meio-dia, samba? Parecia ‘barca furada’”, conta, rindo, Anderson Pereira dos Santos, um dos donos. “Mas a gente resolveu tentar. E, olha, a primeira edição teve 80 pessoas. A segunda, 200. A última, 500. Agora, queremos chegar a 700 nas próximas”, entusiasma-se.
Instalado em um galpão de pé-direito alto na movimentada avenida Princesa Isabel, o bar aposta em uma estética que remete ao Rio de Janeiro, com grafites do Cristo Redentor, palmeiras artificiais, iluminação intensa e palco elevado. O clima é de balada mesmo: a música alta embala o público, que se espalha entre as mesinhas altas com baldes de cerveja ou drinks. Mesas e cadeiras estão disponíveis, mas quem quer conversar, geralmente prefere a área externa, onde o som chega com menos intensidade.
A mistura dá certo: cozinheiros, garçons, seguranças e autônomos compartilham o espaço com grupos de amigos e curiosos que passam pela avenida e não resistem ao som que emana do estabelecimento. “Olha a rua”, aponta Anderson. “Os carros diminuem a velocidade. O pessoal acha que é alguma festa fechada. Mas não: é samba. Toda segunda”, avisa. As entradas, na segunda, custam R$ 40, com ingresso antecipado, ou R$ 60, na portaria.
Na edição acompanhada pela reportagem, a 20ª realizada no lugar, o segurança de supermercado Guilherme Henrique comemorava 31 anos com duas colegas de trabalho. “Primeira vez que venho. Vi no Instagram e pensei: é aqui que vou comemorar. Estamos gostando demais”, conta.
Nos bastidores, a equipe planeja voos maiores: esticar o horário até 22h, talvez até 0h em edições especiais, e trazer atrações de outros Estados, sobretudo do Rio, como Martinho da Vila, Neguinho da Beija-Flor e Márcio Art. Anderson confessa que nunca foi ao famoso Samba do Trabalhador, no Rio, e que a referência estética carioca surgiu espontaneamente. Mas o espírito é o mesmo: oferecer um espaço onde quem serve possa ser servido e a segunda-feira se torne palco de alegria e festa.