Assassinado por um capitão do império de Dom Pedro II, que colonizava o Brasil, Zumbi contava na ocasião com 40 anos, no dia 20 de novembro de 1695. Seu algoz foi premiado pela Coroa Portuguesa com 50 mil réis. Se hoje a quantia em dinheiro nada vale, a data da morte tornou-se símbolo de protesto e luta em memória daquele que representou a resistência do povo negro, à frente do famoso Quilombo dos Palmares. 

Em dezembro do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva instituiu o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra como feriado em todo o Brasil. Nesta quarta (20), a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais sobe ao palco do Palácio das Artes para, nas palavras do maestro Angelo Rafael Fonseca, “coroar essa rica cultura negra”.

“A cultura negra sempre utilizou a música para o trabalho, os rituais, a festa, a alegria, e também para os momentos de tristeza. O negro sempre cantou e dançou. Então, como a cultura africana é muito da tradição oral, era preciso fazer isso muitas vezes, constantemente, para que todos sigam fazendo, como acontece nas rodas de samba, nos terreiros de candomblé e em outras manifestações. A música e a cultura negra têm uma relação intrínseca, são indissociáveis”, salienta o maestro, que destaca o fato de ele, como negro, ainda constituir uma exceção no meio. “Isso é muito importante para que a gente consiga ter o uso da música em todas as suas dimensões, não só na esfera popular, mas de concerto também, já que somos tão poucos regendo”, assinala. 

Nath Rodrigues participa do concerto. Crédito: Camilla Torres/Divulgação

Natural da Bahia, diretor artístico e maestro titular da Orquestra de Câmara de Salvador, entre outras, Angelo Rafael Fonseca assume a batuta da Sinfônica de Minas Gerais pela primeira vez, e não esconde a satisfação. Ele terá a companhia mais do que especial das cantoras Adriana Araújo e Nath Rodrigues e “dos meninos do (grupo) Tambores de Minas”, como solistas em clássicos de Milton Nascimento, Dona Ivone Lara, Silas de Oliveira, e numa homenagem à compositora do Vale do Mucuri, Dona Eliza, com a emblemática canção “Povo Negro, Raça Zumbi”. “Todas essas pessoas enriquecem a nossa apresentação com a vivência individual de cada um”, aponta o maestro, que enaltece “a versatilidade das convidadas e a beleza dos arranjos criados”.

Repertório

Quando as cortinas foram descerradas, a orquestra vai atacar com um número do padre negro José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), autor de “Abertura em Ré”. Outras duas peças do século XIX tomam a ribalta na sequência, incluindo aquela que marcou a estreia de Chiquinha Gonzaga (1847-1935), o choro “Atraente”, que abre-alas para o vasto manancial de uma música popular que transita da exaltação do samba-enredo de Silas de Oliveira à dolência de Dorival Caymmi, chegando à produção mais contemporânea do sergipano Hugo Sanbone, com a “Suite Atlântico Negro”, e do tubista Jamberê Cerqueira, conterrâneo do maestro Angelo Rafael Fonseca, que comparece com “Festa de Largo”, contemplando três critérios adotados.

“Pensamos em gênero, nacionalidade e negritude. Elegemos compositores brasileiros, tanto homens quanto mulheres, e que fossem negros e negras”, explica o regente, que decidiu adicionar um tempero ao passear pelo tempo, a fim de adensar o caldo da celebração com “o aspecto da história da música no Brasil”. “A contribuição da cultura negra na música brasileira é fundamental. Não é só uma questão rítmica, mas também melódica, harmônica, de instrumentação, textura, e das nossas formações musicais. É a nossa música popular, que é muito bem recebida em todas as partes do mundo. É inconcebível uma música brasileira sem cultura negra”, postula Angelo Rafael Fonseca, para quem a ausência da influência africana resultaria numa mera “música europeia…”.

“No início do século XX, quando tivemos o nacionalismo e foram olhar para a cultura brasileira, foram os negros que propiciaram esse recorte. Villa-Lobos, Francisco Mignone, Claudio Santoro, Camargo Guarnieri, Guerra-Peixe, todos esses compositores se depararam com a música popular em suas pesquisas, e encontraram as rodas de choro, o samba, os maracatus, os congados e candomblés. Eles foram beber nessa fonte, que possui uma ligação umbilical com a cultura negra e africana. Não há como conceber a cultura brasileira sem a forte e rica influência da música afrobrasileira, ela é a base da nossa formação histórica e cultural”, arremata o maestro. 

Serviço

O quê. Orquestra Sinfônica de Minas Gerais celebra o Dia da Consciência Negra

Quando. Nesta quarta (20), às 20h; e nesta terça (19), às 12h, com entrada franca

Onde. Grande Teatro do Palácio das Artes (av. Afonso Pena, 1.537, Centro)

Quanto. De R$15 (meia) a R$30 (inteira) pelo site www.eventim.com.br ou na bilheteria