Dez entidades formadas por representantes do audiovisual brasileiro, entre associações, fóruns e sindicatos, publicaram uma carta aberta ao governo Lula nesta terça-feira (19).
O documento, direcionado ao presidente da República e aos ministros do Estado, ressalta o valor estratégico da indústria cultural e audiovisual, além de seu positivo impacto econômico e social, indispensáveis, segundo o texto, para que o país alcance seus objetivos com o lançamento da Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, firmado ao fim da reunião da cúpula do G20 organizada e presidida pelo Brasil.
E, por ser estratégico, o setor audiovisual necessita de mais atenção, sugerem as entidades que assinam a carta. “O Brasil está por demais atrasado em várias regulações, entre elas a remuneração do direito autoral em meios digitais e, claro, a das plataformas de VoD/Streaming. E há uma enorme e racional preocupação com o impacto da reforma tributária em nosso setor, apenas para elencar alguns pontos de máxima atenção”, criticam, ao mesmo tempo que reconhecem “conquistas históricas e amplamente reconhecidas do audiovisual brasileiro, que promoveram a democratização do fomento e potencializaram o setor em nível nacional”.
O texto segue descrevendo um cenário de “franca disputa pelo projeto nacional do audiovisual brasileiro”. Para seus autores, por trás do fenômeno estão o fato de o Ministério da Cultura, a Secretaria Nacional do Audiovisual e o Conselho Superior do Cinema, estarem construindo o Plano Nacional de Diretrizes e Metas, que guiará as políticas públicas para audiovisual brasileiro pela próxima década.
“Além disso, e das disputas sobre os projetos de lei da regulação do VoD/Streaming, neste ano já poderia ter sido feita a indicação de um nome que seja efetivamente representativo do setor para a composição da diretoria colegiada da Agência Nacional do Cinema (Ancine)”, prossegue o texto, lembrando que, em 2026, haverá renovação de outras duas vagas, inclusive o cargo de diretor presidente do órgão.
“Como em todo e qualquer setor, há aqueles que advogam por manter a concentração de recursos públicos em poucas empresas, sob múltiplos pretextos, muitas vezes falaciosos, que vão de ameaças de desemprego até a desindustrialização, tentam assim impor valores e subjetividades a produtos e processos. Geralmente, essas alegações vêm de grupos que já possuem o maior conjunto de oportunidades para seu crescimento, beneficiando-se da sobreposição de distintos mecanismos de fomento”, alertam os subscritos, entre os quais a Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro (Apan), a Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro (API), a Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte e Nordeste (Conne), o Fórum Audiovisual de Minas Gerais, Espírito Santo e Sul do Brasil (Fames), além de sindicatoda da indústria audiovisual de Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Maranhão.
“No audiovisual, esses grupos tiveram um impacto significativo no projeto nacional do audiovisual que se instalou após 2016. Esse projeto gerou distorções no mercado, enfraquecendo diversos elos da cadeia e rompeu com um ciclo virtuoso e plural do fomento”, continua o documento, ponderando que, apesar disso, “alguns avanços sociais e políticos são incontornáveis, e estamos diante de uma composição histórica do Conselho Superior do Cinema e do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual - FSA, que, de forma inédita, atende à paridade de gênero e à diversidade regional”.
Sobre a Medida Provisória 2.228-1/01, que, entre outras coisas, instituiu a Política Nacional do Cinema, a carta sugere ser crucial restabelecer alguns fundamentos legais que ratificam a importância de uma política pública focada no desenvolvimento e diversidade contínuas do setor. Em seguida, ao falar da necessidade de democratização de recursos para essa indústria, aponta: “Segundo a Ancine, até a Lei do SeAC entrar em vigor, instituindo as cotas regionais no FSA, Rio de Janeiro e São Paulo receberam R$ 1,8 bi (de fomento direto e indireto), o equivalente a 86% dos recursos geridos pela Ancine. Enquanto isso, o restante do país recebeu R$ 192 milhões de reais de mecanismos geridos pela ANCINE. De 2013, quando as primeiras linhas de investimento com cotas regionais foram lançadas pelo FSA, a 2024, Rio de Janeiro e São Paulo receberam R$ 6 BI (de recursos diretos e indiretos) e o restante do país, R$ 1,65 bi (de recursos diretos e indiretos). Se considerarmos que esses dois estados concentram 90% de todo o fomento indireto, é altamente recomendável preservar e fortalecer as políticas de descentralização no FSA”.
“Ainda assim, há quem afirme que as cotas regionais estipuladas no Plano de Ação 2024 do FSA vão ‘destruir a indústria audiovisual brasileira’. Essa afirmação não se sustenta”, defendem os subscritos.
Outro tema abordado na carta aberta são as cotas raciais. “Entre 2018 e 2022, de acordo com dados da Ancine, do total de projetos inscritos para as Chamadas Públicas do FSA de comercialização, produção, entre outras modalidades, 83% das obras eram dirigidas por pessoas brancas e 11,8% por pessoas negras e, com orçamentos maiores de R$ 5 milhões, 92,8% de direção ficaram a cargo de pessoas brancas. Com base na própria legislação brasileira, como o Estatuto da Igualdade Racial, por exemplo, há uma evidente discrepância e concentração de recursos públicos”, lê-se na missiva.
“Essas desigualdades – territoriais, raciais e de gênero – no setor precisam ser urgentemente corrigidas, de forma que a política pública contribua para que o Brasil consiga efetivamente consumir conteúdos nacionais com a cara do país. Os caminhos que começaram a ser apontados em 2024, mesmo que em apenas parte do fomento do FSA, apresentam alguma possibilidade positiva e precisam avançar como política estruturante”, atesta o documento, que lista dez pontos de atenção e destaca como as cotas, juntamente com as ações afirmativas promovidas principalmente pelo Ministério da Cultura, “desempenharam um papel importante na viabilização de obras que contribuíram imensamente com a internacionalização do audiovisual brasileiro, alavancando nossa cinematografia para as principais premiações internacionais, conquistando críticas e audiência nacional e internacional”.
Leia a íntegra do documento:
Carta aberta em defesa de uma indústria audiovisual realmente nacional
Brasil, 19 de Novembro de 2024.
Excelentíssimo Sr. Luís Inácio Lula da Silva, presidente da República Federativa do Brasil
Excelentíssimas senhoras Ministras e senhores Ministros de Estado.
Pela primeira vez, a reunião da cúpula do G20 foi organizada e presidida pelo Brasil. Em nossas terras, lideranças do Grupo dos Vinte discutiram sobre as mudanças climáticas e sustentabilidade; a reforma da governança global; o combate à fome e às desigualdades. É preciso reconhecer o momento histórico destes dias, que reafirmam nosso país como inegável potência, sobretudo na geopolítica contemporânea que proporciona grandes desafios e oportunidades para o Sul Global.
Aproveitamos a oportunidade para parabenizar pela liderança bem sucedida no lançamento da Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza e na aprovação do relatório final.
Nesse contexto, a indústria cultural e audiovisual tem seu valor estratégico ainda mais sólido, pois, além de nosso forte e positivo impacto econômico, social e artístico, nós produzimos algo indispensável para o país conquistar seus objetivos: nós produzimos influência cultural e política. Conscientes desta conjuntura e de nosso valor como ferramenta de soberania cultural e geopolítica, bem como de nossa capacidade de transformação social, nós, entidades representativas da indústria do audiovisual brasileiro abaixo assinadas, nos dirigimos às autoridades máximas do Poder Executivo. Assim como representações de outros dois estados fizeram nos últimos dias.
É evidente que a indústria audiovisual mundial atravessa um ciclo desafiador de profundas transformações, que impactam não somente na produção e consumo de conteúdo, mas naquilo que é a base de nosso mercado, a propriedade intelectual. É verdade que o Brasil está por demais atrasado em várias regulações, entre elas a remuneração do direito autoral em meios digitais e, claro, a das plataformas de VoD/Streaming. E há uma enorme e racional preocupação com o impacto da reforma tributária em nosso setor, apenas para elencar alguns pontos de máxima atenção.
Entretanto, nosso objetivo não é transformar a Esplanada em um espaço de reivindicações com interesses localistas ou privados. Tampouco buscamos questionar conquistas históricas e amplamente reconhecidas do audiovisual brasileiro, que promoveram a democratização do fomento e potencializaram o setor em nível nacional.
A julgar por manifestações recentes de entidades representativas de apenas parte do nosso setor e que não buscam o consenso, há uma franca disputa pelo projeto nacional do audiovisual brasileiro. Afinal, o Ministério da Cultura, a Secretaria Nacional do Audiovisual, e o Conselho Superior do Cinema, neste momento, constroem o Plano Nacional de Diretrizes e Metas que guiará as políticas públicas para audiovisual brasileiro pela próxima década. Além disso, e das disputas sobre os projetos de lei da regulação do VoD/Streaming, neste ano já poderia ter sido feita a indicação de um nome que seja efetivamente representativo do setor para a composição da diretoria colegiada da Agência Nacional do Cinema - ANCINE e em 2026 haverá renovação de outras duas vagas, inclusive o cargo de diretor presidente da Agência.
Como em todo e qualquer setor, há aqueles que advogam por manter a concentração de recursos públicos em poucas empresas, sob múltiplos pretextos, muitas vezes falaciosos, que vão de ameaças de desemprego até a desindustrialização, tentam assim impor valores e subjetividades a produtos e processos. Geralmente, essas alegações vêm de grupos que já possuem o maior conjunto de oportunidades para seu crescimento, beneficiando-se da sobreposição de distintos mecanismos de fomento. No audiovisual, esses grupos tiveram um impacto significativo no projeto nacional do audiovisual que se instalou após 2016. Esse projeto gerou distorções no mercado, enfraquecendo diversos elos da cadeia e rompeu com um ciclo virtuoso e plural do fomento. Como consequência, milhares de empresas produtoras independentes emergentes - que surgiram ou foram fortalecidas no virtuoso período após a criação do FSA até 2016 - foram excluídas das políticas públicas. Nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, houve um verdadeiro desinvestimento neste tipo de empresas, em detrimento da concentração em algumas poucas já estabelecidas, comprometendo não só a diversidade, como também o desenvolvimento do setor.
Porém, alguns avanços sociais e políticos são incontornáveis, e estamos diante de uma composição histórica do Conselho Superior do Cinema e do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual - FSA, que, de forma inédita, atende à paridade de gênero e à diversidade regional. Por isso, quando as autoridades recebem reclamações de que há poucos representantes “empresários da indústria audiovisual” nesses colegiados, é importante questionar não somente a veracidade, mas o intuito de alegações como essa.
Voltemos à Medida Provisória 2.228-1/01, que, entre outras coisas, instituiu a Política Nacional do Cinema. É crucial restabelecermos alguns fundamentos legais, frequentemente ignorados, que ratificam a importância de uma política pública focada no desenvolvimento e diversidade contínuas do setor, conforme definido no artigo 5º, onde se lê: VI - estimular a diversificação da produção cinematográfica e videofonográfica nacional e o fortalecimento da produção independente e das produções regionais com vistas ao incremento de sua oferta e à melhoria permanente de seus padrões de qualidade.
Segundo a ANCINE, até a Lei do SeAC entrar em vigor, instituindo as cotas regionais no FSA, Rio de Janeiro e São Paulo receberam R$ 1,8 BI (de fomento direto e indireto), o equivalente a 86% dos recursos geridos pela ANCINE. Enquanto isso, o restante do país recebeu R$ 192 milhões de reais de mecanismos geridos pela ANCINE. De 2013, quando as primeiras linhas de investimento com cotas regionais foram lançadas pelo FSA, a 2024, Rio de Janeiro e São Paulo receberam R$ 6 BI (de recursos diretos e indiretos) e o restante do país, R$ 1,65 BI (de recursos diretos e indiretos). Se considerarmos que esses dois estados concentram 90% de todo o fomento indireto, é altamente recomendável preservar e fortalecer as políticas de descentralização no FSA.
Ainda assim, há quem afirme que as cotas regionais estipuladas no Plano de Ação 2024 do FSA vão "destruir a indústria audiovisual brasileira". Essa afirmação não se sustenta. Primeiro, porque de 2014 a 2018, apenas dois estados receberam pouco mais de 50% dos investimentos do FSA. Segundo, porque refere-se a uma indústria audiovisual concentrada nesses estados, que tampouco representa o complexo e diverso mercado audiovisual brasileiro.
Em relação às cotas raciais, igual raciocínio se aplica. Entre 2018 e 2022, de acordo com dados da Agência Nacional do Cinema - ANCINE - do total de projetos inscritos para as Chamadas Públicas do FSA de comercialização, produção, entre outras modalidades, 83% das obras eram dirigidas por pessoas brancas e 11,8% por pessoas negras e, com orçamentos maiores de R$5 milhões, 92,8% de direção ficaram a cargo de pessoas brancas. Com base na própria legislação brasileira, como o Estatuto da Igualdade Racial por exemplo, há uma evidente discrepância e concentração de recursos públicos. Essas desigualdades - territoriais, raciais e de gênero - no setor precisam ser urgentemente corrigidas, de forma que a política pública contribua para que o Brasil consiga efetivamente consumir conteúdos nacionais com a cara do país. Os caminhos que começaram a ser apontados em 2024, mesmo que em apenas parte do fomento do FSA, apresentam alguma possibilidade positiva e precisam avançar como política estruturante.
É preciso ainda destacar que as cotas, juntamente com as ações afirmativas promovidas principalmente pelo Ministério da Cultura, desempenharam um papel importante na viabilização de obras que contribuíram imensamente com a internacionalização do audiovisual brasileiro, alavancando nossa cinematografia para as principais premiações internacionais, conquistando críticas e audiência nacional e internacional. Com muita frequência, são os filmes independentes, de pequenas e médias empresas, com recorte territorial, de gênero e étnico-racial, que conseguem melhor performance nesses espaços. Dessa forma, ao abordar a performance do audiovisual brasileiro, é fundamental observar esses aspectos, bem como adotar métricas que capturem a diversidade e complexidade dos resultados alcançados.
Senhor presidente, senhoras ministras e senhores ministros, nossa carta tem um objetivo bastante concreto, diante da ausência de regulações assertivas e fundamentais, inclusive algumas já citadas neste documento, que provoca o acirramento de velhas disputas internas. Nosso objetivo é, conjuntamente, com pensamentos ancorados na pluralidade, na riqueza e no fortalecimento da democracia brasileira, criar e viabilizar oportunidades para que nosso audiovisual nacional floresça e frutifique em toda sua potência artística, cultural, econômica e social, tendo a indústria da Cultura, e do Audiovisual, como espinha dorsal das próximas páginas da história do país.
Listamos aqui, pontos de atenção:
1 - Precisamos com urgência regulamentar o VOD. Para isso, sugerimos fortemente que o governo como um todo se atente às diversas manifestações do setor, em especial à Moção expedida pelo Conselho Superior de Cinema sobre o tema.
2 - É preciso que seja apresentado qual o projeto que este atual governo tem para todo o audiovisual brasileiro em seu mandato.
3 - A renovação da Lei do Audiovisual e a reforma tributária precisam ser encarados como pautas tão urgentes como a regulação e regulamentação do VOD.
4 - Previsibilidade nas ações da ANCINE, seja no campo da regulação como no campo do fomento, através da Secretaria Executiva do FSA.
5 - Nível de empresa, pela própria Instrução Normativa nº 119 da ANCINE, é um critério que se refere apenas ao montante a ser captado na Lei do Audiovisual, e precisa ser reformulado. Não deve ser utilizado para quaisquer outros fins, em especial para pontuar empresas ou delimitar a entrada em editais seletivos.
6 - No FSA, o retorno e a criação de linhas de produção que contemplem um conjunto mais diverso de beneficiários e projetos, bem como linhas voltadas a outros segmentos, dando conta real da complexidade e dos elos do ecossistema audiovisual: desenvolvimento, formação, distribuição, difusão, exibição, preservação, etc.
7 - Ainda no âmbito do FSA, aumentar seu orçamento total, com a diminuição do valor contingenciado pelo Governo.
8 - Incentivar o audiovisual brasileiro voltado ao público infantil, visando não somente incluir as crianças na política do setor, mas também a formação de público, e do sentimento de pertencimento ao país, bem como ter políticas específicas de estímulo ao cinema e audiovisual de animação.
9 - Criar e apoiar mecanismos que impeçam a ultra concentração de recursos públicos.
10 - Afastar o desvirtuamento da finalidade das políticas para o desenvolvimento e fortalecimento da indústria audiovisual brasileira.
E, por fim, com esperança e desejo por avanços estruturantes, convidamos o senhor Presidente da República para conversarmos pessoalmente, junto ao Ministério da Cultura, a Agência Nacional do Cinema e outro ministérios estratégicos, com o objetivo de planejarmos e viabilizarmos o futuro que precisamos e queremos.
ENTIDADES:
Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro - APAN
Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro - API
Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte e Nordeste - CONNE
Fórum Audiovisual de Minas Gerais, Espírito Santo e Sul do Brasil PR, SC eRS - FAMES
Sindicato da Indústria Audiovisual de Minas Gerais - SINDAV
Sindicato da Indústria Audiovisual do Espírito Santo - SINAES
Sindicato da Indústria Audiovisual do Paraná - SIAPAR
Sindicato da Indústria Audiovisual de Santa Catarina - SANTACINE
Sindicatoda IndústriaAudiovisualdoRio Grandedo Sul- SIAV
Sindicatoda IndústriadoAudiovisualdo Maranhão - SIAMA