Ernesto Rodrigues abre seu mais novo livro, “A Globo: Hegemonia”, lançado recentemente pela editora Autêntica, contando sobre o dia em que cometeu um dos mais temidos erros para um jornalista: “matar” alguém sem querer. Era manhã do dia 18 de maio de 1999, e ele chefiava a redação da emissora dos Marinho, onde trabalhava há 14 anos. Rodrigues pediu para que alguém da produção checasse a morte do atleta olímpico João Carlos de Oliveira, o João do Pulo, internado em estado grave de saúde. Em meio a cerca de 50 profissionais, ouviu uma voz masculina que confirmava: “morreu!”

Tenso para não ser “furado” pela concorrência, Rodrigues não se deu ao trabalho de identificar quem havia lhe respondido e, apressado, correu até Sandra Annenberg para dar a notícia. Esta, por sua vez, interrompeu a programação da emissora para anunciar a morte do atleta. Mas rapidamente o alívio e o orgulho de soltar logo a informação se transformaram em angústia. Rodrigues ficou atônito ao ver a expressão da produtora-chefe do telejornalismo local, que exclamou: “Você está louco! O que você fez? O João do Pulo não morreu”. Envergonhado e sem outra alternativa, o jornalista voltou para a mesa de Sandra, avisando que ela precisaria entrar no ar novamente para desmentir a informação – João do Pulo morreria 11 dias depois.

Logo após o ocorrido, Ernesto Rodrigues foi despedido. “Jamais questionei a legitimidade da minha demissão”, publicou no livro e reforçou o que foi escrito em ligação durante entrevista ao O TEMPO. Ao explicar o motivo de falar de um erro grave logo nas primeiras páginas de seu livro, o jornalista explica também o tom das quase 700 folhas que compõem a obra. “Isso é uma questão de transparência, porque não se pode propor a escrever um livro sobre a TV Globo sem dizer para o leitor quem você é. Então, quis deixar claro logo no início do livro que eu não só tinha trabalhado na emissora, como também fui demitido por ela”, esclarece.

Além disso, Rodrigues quis que seus leitores soubessem da boa relação dele com os irmãos Marinho. “Foi isso que me permitiu conseguir deles uma coisa excepcional: o acesso irrestrito e independente ao conteúdo dos depoimentos do Memória Globo, que são parte fundamental do livro”, denota. Ernesto Rodrigues é autor de uma trilogia em que conta histórias que moldaram a TV Globo a ponto de transformá-la em uma das “melhores televisões do planeta”, nas palavras dele. 

Apesar do elogio, o escritor garante que a obra não é uma homenagem à emissora, tampouco está interessado em “descascá-la”. “Este não é um livro da Globo, mas sim um livro meu sobre a Globo”, acentua. Prova disso é que a obra não passou por uma interferência sequer da diretoria da TV. Tirando a própria editora e algumas poucas pessoas de seu convívio, o livro não foi submetido a mais ninguém. “Nenhuma pessoa teve acesso prévio ao meu livro”, sentencia.

Organização

Além de “Hegemonia”, o jornalista escreveu “Concorrência”, previsto para ser lançado em março de 2025, e está na produção de “Metamorfose”, que deve chegar às livrarias em junho do próximo ano. Para escrever a trilogia, Rodrigues se debruçou por mais de cinco anos sobre mais de 450 transcrições dos depoimentos do Memória Globo, alguns deles com duas horas de duração, além de fazer cerca de 60 entrevistas exclusivas com grandes figurões da Globo. Com um “arquivo gigantesco” do Word em mãos, ele aplicou um método já usado por ele nas biografias de Ayrton Senna e do João Havelange.

“O Excel é uma ferramenta poderosa para organizar memória e pensamento. Eu criei uma cronologia e tags para identificar temas, como ‘Roque Santeiro’, por exemplo. Daí, 95% eram conteúdos genéricos do tipo: ‘trabalhei na novela, foi uma época muito boa’ ou ‘a censura foi realmente muito chata’. Mas, de repente, achava uma grande história de bastidor inédita. Então, filtrava as palavras-chave e analisava cada menção para encontrar histórias relevantes, descartando o que era trivial. É um trabalho de formiguinha, mas ajuda muito na estruturação e na escrita”, conta, fazendo uma contemporização um pouco dura: “Hoje, com inteligência artificial, talvez isso fosse feito em uma semana.”

No livro “A Globo: Hegemonia”, Ernesto Rodrigues prezou por contar histórias, se não inéditas, pouco conhecidas, que perpassam do início da Globo, em 1965, cuja audiência ainda era “um desastre lindo” – nas palavras de Roberto Irineu – até a cobertura das Diretas Já!, em 1984. Os capítulos, obviamente, tratam da relação da emissora com a ditadura, como o programa “Ordem do Dia”, exibido de segunda a sexta, entre 1968 e 1971. No noticiário, o coronel Edgardo Erickson, que ocupava um “cargo-fantasia de diretor do Departamento de Relações Públicas”, chegava armado na emissora e comentava textos de apoio à ditadura. 

“Quem está lendo o livro, vai perceber que vou avançando na história cronologicamente. Mas não quis ser escravo da cronologia. Por exemplo, no primeiro volume, há muitas referências a William Bonner e Bolsonaro, porque meu objetivo é conversar com todas as gerações, não queria fazer um livro com cheiro de naftalina”, brinca. Feito o adendo, Rodrigues explica que dividiu os três volumes conforme a história da emissora. “O primeiro, até 1984, é marcado pela hegemonia quase absoluta da Globo. O segundo, de 1985 a 1998, aborda o surgimento de concorrentes e mudanças econômicas no Brasil. O terceiro, da virada dos anos 2000, explora como a Globo enfrentou a internet, o streaming e a diversificação do mercado”, destaca.