Soa até como um pecado, mas Irene Ravache diz ser uma pessoa mediana. “Vou me comparar, por exemplo, com a Madre Teresa de Calcutá? Ou com a Marie Curie, que ganhou o Nobel em física? Eu sou mediana e acredito que a grande maioria das pessoas também. Mas isso permite uma reflexão do tipo: ‘quem somos nós aqui?’”, medita.

Com uma carreira profícua no teatro e na TV e reconhecidamente uma das atrizes mais importantes da sua geração, ela tem na estante (“do escritório, não de casa”, deixa claro) sete Prêmios APCA, três Prêmios Molière, um Prêmio Shell e uma indicação ao Emmy. Seu mais recente, o Prêmio Bibi Ferreira, veio por “Alma Despejada”, espetáculo que chega a Belo Horizonte neste sábado (11). “Bibi foi uma colega excepcional, nós nos gostávamos muito”, celebra Irene.


Mesmo diante de tamanho reconhecimento, a atriz mantém a sobriedade. “Os prêmios são importantes, se não fossem, eu não os guardaria. Mas eles mostram o seguinte: ‘você trabalhou e resultou nisso’. Então, é um processo natural de quem trabalha. Porém, é bom a gente lembrar que, muitas vezes, pessoas também trabalham da mesma forma e não têm o mesmo reconhecimento”, raciocina.

O não deslumbramento com a própria carreira talvez seja o agente propulsor de uma trajetória irretocável, que já dura seis décadas e meia – Irene completa 80 anos em agosto – e que se mantém sólida, mas nunca rígida.


É nesse ritmo que a atriz se apresenta com o texto escrito por Andréia Bassit especialmente para ela. Em “Alma Despejada”, que estreou em São Paulo em 2019 sob direção de Elias Andreato, Irene dá vida a Teresa, uma professora de português que, após a morte, visita, pela última vez, a casa onde morou a vida inteira, já que o imóvel foi vendido.

Estando ali (já que não ainda ascendeu aos céus nem desceu aos infernos), ela faz um inventário de memórias construídas em seu lar ao longo dos anos. É história de gente comum, mas, nem por isso (ou talvez seja esta a causa), menos extraordinária.


“Logo de cara, a Teresa explica para a plateia que ela não vive mais na casa. ‘Seu eu não estivesse morta, eu diria que vivo aqui’, é o que ela diz. A personagem explica que, depois que morre, a pessoa ainda fica um tempinho na casa, porque ainda é muito difícil [desapegar]. Então, ela começa a falar das memórias da casa, da infância, de seu casamento e de pessoas importantes em sua vida, como a Neide, que trabalhou com ela por mais de 30 anos”, explica Irene.


Apesar de falar do ponto de vista de uma pessoa morta, o espetáculo trata muito mais da experiência de estar viva. “É um texto sobre a vida dela, com a sua família. A Teresa foi professora a vida inteira, então, quando fala sobre um assunto, lembra-se de fazer uma correção: ‘isso é pretérito perfeito; isso é apenas pretérito.’ E a casa funciona como um símbolo, como um lugar de pertencimento, em que você pode florescer e mostrar quem é. É onde você pode deixar as suas pegadas”, atesta. 


O tema do espetáculo também está longe de ser desagradável ou de colocar medo em quem se assusta com alma penada. “A autora Andréia Bassitt tratou tudo com muita leveza, simpatia e humor.

As pessoas se divertem e acompanham a história de Teresa, que acaba sendo parecida com a de muitas outras mulheres, não necessariamente as da minha idade, mas de muitas outras que construíram sua vida em torno de um lar e de uma família e que, de uma hora para outra, têm que abandonar aquilo, seja por uma contingência da vida, por terem morrido ou porque a vida simplesmente muda”, evidencia Irene.


Interpretar um texto que fala de vida e morte deixou mais latente o tema da finitude para a atriz. “Eu vou fazer 80 anos, então, eu já tenho mais quilometragem vivida do que irei viver. É inevitável que esses pensamentos venham”, revela. Como não tem nenhuma convicção sobre vida após a morte, Irene prefere viver bem o seu presente.

 “A Andréia tem uma frase que é muito bonita, em que diz assim: ‘pessoas que se desencontraram na vida puderam chorar, juntos, o choro dos justos e dos injustos. A morte relativiza tudo, e a vida serve para nos acertarmos.’ E acho que é para isso que serve a vida: preciso me acertar aqui, neste momento, e não esperar morrer e voltar para o mesmo ambiente para, aí, sim, pedir desculpas ou refazer os caminhos”, reverbera.


Irene pretende continuar trabalhando enquanto a vida e as condições lhe forem possíveis. Ela está na expectativa para a estreia de três filmes em 2024: “O Clube das Mulheres de Negócios”, de Anna Muylaert, “Enforcados”, de Fernando Coimbra, e “Passagrana: O Filme”, de Ravel Cabral. Quanto à TV, a atriz não se vê nela neste momento, porque quer continuar em cartaz com “Alma Despejada” até 2025, pelo menos. Afinal, é nos palcos que ela sente uma “emoção significativa muito forte”.

“Na televisão, se erramos uma cena, temos o recurso de refazê-la. No cinema é a mesma coisa. Mas o teatro é um tobogã. A corrente energética que une um intérprete e uma plateia é pulsante e fervilhante. A adrenalina que é jogada ali é muito estimulante. Teatro é uma chacoalhada. As pessoas saem de suas casas e vão para seu encontro. Eu tenho 65 anos de carreira porque alguém me trouxe até aqui, esse alguém é o público”, agradece.


SERVIÇO

Espetáculo “Alma Despejada”, com Irene Ravache

Onde. Cine Theatro Brasil Vallourec (avenida Amazonas, 315 , centro)

Quando. Sábado (11), às 21h, e domingo (12), às 19h

Quanto. R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia-entrada)