Era 2005 quando Nany People, diante do então recente divórcio dos dois irmãos, “encomendou” um texto aos humoristas Bruno Motta e Daniel Alves, amigos de longa data, para abordar a temática dos casamentos nos palcos. O acontecimento familiar era reflexo de uma tendência registrada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): desde 1988, o índice de divórcios no país vinha crescendo, enquanto o número de casamentos entre solteiros diminuía. A peça chegou aos palcos em 2007 com o título “Nany People Salvou Meu Casamento” e uma novidade: foi a primeira vez que Nany se apresentou como uma atriz trans, e não mais uma drag queen. O espetáculo passou por todo o país e foi sucesso de público. Agora, 17 anos depois, o texto foi atualizado para mostrar o que há de mais moderno – e clássico – nas relações humanas.

A nova montagem, “Como Salvar um Casamento”, é um monólogo que chega aos palcos de Belo Horizonte em apresentação única no próximo sábado (1º de junho). Assim como a peça que lhe deu origem, promete ao público uma noite de reflexões sobre os desafios e as dinâmicas das relações conjugais, embalada pelo humor afiado e autêntico de Nany. Mas a própria atriz explica que as configurações dos relacionamentos se expandiram, se modificaram, e novos arranjos passaram a ser contemplados no espetáculo.

“Meus irmãos se casaram de novo, e eu fui fazer um balancete de como anda a vida conjugal de cada um, e só aí tem muita coisa a se dizer. Mas tem outra coisa: a gente teve uma abertura social e libertária – não libertina –, a gente conseguiu uma maior definição de conceitos de justificação de gêneros, soluções, relações. Então, quando esse texto foi escrito, era muito heteronormativo, e decidimos revisitar e reescrevê-lo multinormativo, ativo, passivo, interativo, reflexivo, como você quiser...”, detalha, de forma espirituosa.

O movimento é de muita sensibilidade, mas também necessidade. A importância do casamento e da estrutura familiar que ele representa mudou muito ao longo dos anos, não sendo mais uma união tão atrelada ao protocolo de festas e cerimônias. “Não interessa se é homem com homem, mulher com mulher, homem com mulher, não importa se é paca, tatu, cabide ou gaveteiro, tudo isso é casamento; se juntou a escova de dente, é casamento. O casamento hoje em dia é um conceito muito questionável – inclusive legalmente é possível comprovar união estável sem precisar ter assinado o papel”, lembra ela.

A estrutura do espetáculo também mudou. Na primeira versão, de 2007, Nany dividiu os palcos com Pierre Bittencourt, e agora ela assume sozinha a missão de interpretar o texto. “Tem coisa que não muda. Mas algumas coisas mudaram por necessidade do próprio texto, teve coisa que precisou cair, precisamos adaptar os diálogos para o monólogo, muita coisa agora é feita em sentido figurado. O Bruno fez uma coisa muito bem-humorada e muito bem-escrita, ele escreve muito bem”, conta a atriz, que não economiza nos elogios ao “afilhado” artístico e amigo há 20 anos. “É surpreendente a capacidade que ele tem de conseguir colocar em palavras o que eu pensei. Ele elabora muito mais. Se eu dou uma ideia de fazer um bolinho básico, ele faz o bolo recheado, glaceado, vira bolo de festa”, conta.

Adaptação mantém o tom

“Como Salvar um Casamento” é um espetáculo sobre humanidade. “Fala das facetas divertidas da vida, do espaço que ocupamos, das adversidades, de como lidamos com isso, de como projetamos nosso ‘copo meio cheio’ ou ‘meio vazio’ no mundo”, explica. Ela ainda faz questão de frisar que o texto segue proporcionando muita reflexão enquanto entretém, uma marca da montagem original. “E como eu estou sozinha no palco, o público acaba sendo meu parceiro de cena, se diverte muito com isso, começa a se identificar com o texto. É uma catarse geral”, revela. O autor Bruno Motta concorda: “A relação da Nany com o público é muito cômica, tem muitas camadas, e isso dita a dinâmica do espetáculo”.

A adaptação de uma obra que é sucesso carrega alguns riscos – que Nany não tem medo de correr. “Teve gente que já assistiu às duas versões, gostou das duas, ou gostou só da de antes, ou gostou só da de agora. Eu não me importo com isso. É questão de gosto, tem gente que me adora ruiva, tem gente que me adora platinada. O que eu posso garantir é que o espetáculo evoluiu, ele traz novas linguagens. Não há nada que esteja feito que não possa ser melhorado”, assegura. A verdade é que o espetáculo tem sido um sucesso de recepção por onde passa.

Muita celebração e muito trabalho

Se a sociedade muda e se atualiza a cada momento, o mesmo acontece com Nany People. “Eu mudo no dia a dia, no conceito, na fala, na maneira de ver, de me enquadrar, de me relacionar. Mudo também na forma de me projetar nessa vereda digital. Isso tudo sem abrir mão de pensar o que eu quero, como eu faço e do jeito que eu gosto. Eu me arrisco o tempo todo, é pescoço na guilhotina. É falar o que o outro não quer ouvir. Eu sou dessas ainda, nisso eu não mudei”, garante a atriz, conhecida, entre outros atributos, pela autenticidade. “Em resumo, nesses 17 anos eu fiquei mais sagaz, mas acho que tem a ver com a maturidade mesmo”, conclui.

A versatilidade da atriz não encontra barreiras quando a necessidade é se manifestar. Seja nos palcos, na TV ou no cinema, fazendo rir, cantando, atuando ou julgando show de calouros, é impossível se desviar do talento dessa artista que no próximo ano comemora 50 anos de carreira e 60 de idade. A data deve ser celebrada com mais trabalho: o diretor de criação Marcos Guimarães está produzindo um documentário sobre a atriz; o autor Flavio Queiroz prepara a atualização – ou continuação – da biografia dela, “Ser Mulher Não É pra Qualquer Um” (2015); e a própria Nany deve lançar um novo espetáculo comemorativo, musical, com duetos.

Trata-se, porém, de planos para o próximo ano, porque 2024 ainda reserva outros projetos. Atualmente, além de “Como Salvar um Casamento”, Nany roda o Brasil com outras quatro peças: “Sob Medida”, em que homenageia Fafá de Belém; “TsuNany”, “Deu no que Deu” e “Nany É Pop”. Nos cinemas, esteve recentemente em cartaz em “Vidente por Acidente” e deve estrear ainda “Mallandro, o Errado que Deu Certo” e “De Repente Miss”. Na TV, Nany é jurada fixa do “Calderola”, quadro do programa de Marcos Mion na Globo, além de compor o elenco de “Vai que Cola”. Questionada se tem mais planos, Nany se diverte: “Eu pretendo engravidar!”, e cai na gargalhada.

Serviço

O quê. Espetáculo “Como Salvar um Casamento”, com Nany People

Quando. Neste sábado, 1º de junho, às 21h

Onde. Cine Theatro Brasil Vallourec (av. Amazonas, 315, centro)

Ingressos à venda na plataforma Eventim