Quase de um processo de alquimia, reunindo elementos da ciência, da arte e da magia, surgia, há seis anos, o concerto Mineral, uma instalação composta por 103 peças em cerâmica que, afinadas com alta precisão, pode ser entendida como um grande instrumento musical disposto em mesas microfonadas, permitindo a execução de obras do repertório erudito e popular. Um projeto que, a partir deste domingo (30), volta a cumprir temporada. A primeira desta nova série de apresentações ocorre no Inhotim, em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte. Posteriormente, o concerto será montado no Teatro Oficina, em São Paulo, nos dias 16 e 17 de julho, e na Sala Minas Gerais, nos dias 2 e 3 de agosto.

Para o idealizador da iniciativa, o ceramista Máximo Soalheiro, “Mineral” dialoga, sim, com uma certa tradição do uso da cerâmica na música, mas abrindo um novo precedente na forma de fazê-lo. Ele lembra, por exemplo, que vem da África a tradição do uso desse material na percussão, caso das moringas. Ele inteira que, na América Andina, há a tradição das ocarinas, um instrumento de sopro em que se faz música a partir do deslocamento de ar. “O que há de novo nesse projeto é que a cerâmica vai ocupar o lugar da nota musical, como se fosse um piano”, compara, detalhando que o som nasce da parede das peças.

 

 

O artesão explica que as peças utilizadas no concerto são feitas em alta temperatura, sendo queimadas a 1.320º C. em um forno a gás. Esse processo dura 14 horas. Depois, o item fica “descansando” por três dias, para resfriar. O método, aliás, é a especialidade de Soalheiro, que produz cerca de 400 tipos de massas. “O que tem de especial, neste caso, é o uso da agalmatolita, uma rocha frequente no Oeste de Minas Gerais e na China, que, ao se integrar à massa, cria uma fase vítria na cerâmica. É isso que faz que essas peças sejam usadas especificamente para a música, conseguindo reproduzir uma nota musical”, detalha, sensivelmente entusiasmado com a possibilidade de reunir, em uma mesma empreitada, dois pontos de interesse muito caros a ele.

Paixões

“Eu sou muito apaixonado pelo projeto ‘Mineral’ por vários motivos. Um deles é a possibilidade de um reencontro com a música, que é, para mim, uma paixão que me envolve desde sempre, desde que eu era criança”, estabelece. “Poucas pessoas sabem, mas minha única relação com a universidade se deu por meio de um vestibular para música na federal, que infelizmente não pude seguir porque precisava seguir com meu trabalho no ateliê”, menciona Soalheiro, que, à época, tinha o interesse de fazer o curso de violão clássico.

O ceramista pondera, ainda, que nunca se desvinculou totalmente do trabalho com a música. “Já fiz dezenas de projetos gráficos de discos, estou sempre com amigos que atuam nesta seara. Então, é algo que sempre esteve presente em minha vida”, expõe, arrematando que ‘Mineral’ coroa essa relação.

“É o reencontro com um desejo que vem de muito tempo, além de ser um encontro com esses oito músicos incríveis que estão comigo no projeto”, diz, tecendo elogios a Camila Rocha, Davi Fonseca, João Paulo Drummond, Kristoff Silva, Leandro César, Pedro Durães, Juliana Perdigão e Yuri Vellasco, que, além da instalação em cerâmica, tocada com as mãos, baquetas e arco, fazem performances musicais com baixo acústico, percussão, sopro, piano e voz. “É uma mistura muito rica”, define o artista.

Casa cheia

Máximo Soalheiro lembra, com orgulho, que o concerto Mineral já foi apresentado anteriormente, nos anos de 2018 e 2019. “Foram, primeiro, duas apresentações na Sala Minas Gerais, e, depois, uma no Palácio das Artes, sempre com casa cheia”, menciona.

“A gente tinha convite para outras apresentações, mas veio a pandemia e tudo o que o Brasil viveu naquele período. Com isso, ficamos cinco anos parados e eu senti que, se não retomasse agora o projeto – que demandou tanto investimento de pesquisa e anos de dedicação –, ele se perderia”, assinala, celebrando que o retorno se dê em grande estilo, ocupando espaços emblemáticos para as artes visuais, a música e o teatro.

Ele ainda menciona que o programa que será executado nas novas apresentações é o mesmo da estreia do projeto. “É interessante notar que é uma seleção musical muito diversa, resultado de uma construção coletiva, que começa com uma composição de Steve Reich (músico norte-americano considerado um expoente da música minimalista), e passando por peças de artistas como (a islandesa) Björk, (o francês) Claude Debussy (1862-1918) e (os brasileiros) Hermeto Pascoal, João Donato (1934-2023) e Ary Barroso (1903-1964)”, destaca Soalheiro, mencionando que uma composição do mineiro Rafael Martini encerra o concerto.

História

Embora a estreia do concerto Mineral tenha acontecido em 2018, a história por trás da criação das peças harmônicas data o ano de 1999, quando o ceramista Máximo Soalheiro atuou na produção do disco Baile das Pulgas, da cantora Marina Machado, no qual, além dela, trabalhou com o cantor e compositor Flávio Henrique (1968-2018) e com o saxofonista e letrista Chico Amaral. 

“Por coincidência, um dos patrocinadores do álbum tinha mineração e trabalhava com esse minério, com o qual já tinha feito algumas pesquisas iniciais por conta própria, que, naquele momento, tive a oportunidade de retomar”, lembra. O resultado, diz, foi modesto. “Neste disco, fizemos só um set pequeno, uma vinheta mesmo, que usa o som da cerâmica”, pontua.

Depois dessa experiência seminal, o interesse de Soalheiro por essa alquimia capaz de conectar dois pontos de interesse muito caros a ele – a música e a cerâmica – seguiu vivo, porém foi posto em suspenso por quase uma década. “O desejo de voltar a essa pequisa sempre existiu, mas a possibilidade de aprofundá-la veio somente há 14 anos, quando recebi um convite para fazer um trabalho novo pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, que deveria ser apresentado em um evento internacional em Brasília”, recorda. 

“Este projeto foi fundamental. Foi quando um grupo de músicos muito competentes se juntaram a mim, agregando conhecimento e me ajudando a ir além, porque eu já estava no limite do que poderia fazer se continuasse fazendo essa pesquisa sozinho”, elogia, citando que alguns dos artistas que se apresentam agora, no concerto Mineral, já estavam com ele naquele momento, caso de Juliana Perdigão, Kristoff Silva, Yuri Vellasco e Pedro Durães. 

A partir de então, Soalheiro e Durães – que, além de músico, é engenheiro de som – passaram a sistematizar a pesquisa que havia sido feita. “Planilhamos tudo o que tínhamos feito e, com isso, passamos a investigar como variações de peso, densidade e diâmetro das peças nos forneciam uma nota específica, sendo micro afinadas com água adicionada no interior de cada coluna”, explica. Hoje, o concerto Mineral conta com 103 peças, sendo 96 harmônicas e 7 de percussão – estas últimas de terracota, ficam no chão, enquanto as demais ocupam uma mesa equipada com 36 microfones.

SERVIÇO:
O quê. Abertura da temporada 2024 do concerto Mineral 
Quando. Neste domingo (30), às 15h
Onde. Instituto Inhotim, Brumadinho. Apresentação no gramado nas proximidades da obra Elevazione (2000-2001), de Giuseppe Penone, eixo laranja.
Quanto. Entrada gratuita. Ingressos devem ser retirados antecipadamente pelo Sympla.