“Em um mundo em que a arte contemporânea é permeada pelos efêmeros, pelo sistema, pelas redes, pela grande crise de identidade do ser e pela tecnologia, aparece um artista que desenha e pinta, (que) consegue ser contemporâneo comendo o pescoço do Duchamp – como o faz em um de seus trabalhos”. Foi assim que a museóloga Maria Inês Coutinho descreveu o trabalho do multiartista Pedro Moraleida Bernardes ainda em 2002, na abertura de uma das primeiras exposições “A Confissão de Um Artista Plástica Enquanto Jovem Diante do Século XXI e Tudo o Mais”, apresentada no Palácio das Artes, sendo uma das primeiras mostras póstumas dedicadas ao artista, que faleceu precocemente, em 1999, aos 22 anos.
Para ela, aliás, a expressão artística do belo-horizontino, de tão potente, provava que “a arte que traz o novo não passa apenas pelos caminhos do conceito e da tecnologia”. “Ele revoluciona com sua abordagem irreverente”, inteirou, à época, a especialista, ao exaltar a importância do trabalho do artista no tempo presente. Uma análise que segue válida agora, 25 anos após a trágica morte de Pedro Moraleida, quando uma série de atividades volta a colocar o seu nome em relevo na cidade. A programação, no caso, é iniciada com abertura, nesta quarta-feira (28), da exposição “Moraleida, contemporâneo…”, que também inaugura a sede, na Savassi, do Instituto Pedro Moraleida Bernardes (iPMB).
Para Luiz Bernardes, pai do artista e um dos fundadores do iPMB (na foto abaixo), a atualidade de sua obra é evocada, hoje, pelas reações nunca indiferentes que ela gera. Além de perceber um crescente interesse de estudiosos, entusiastas e outros artistas, que se debruçam sobre o amplo acervo deixado por Moraleida, ele cita também as repercussões que as mostras dedicadas a ele costumam gerar. Caso de “Faça Você Mesmo Sua Capela Sistina”, montada em 2017, no Palácio das Artes. “Essa exposição foi vista por mais de 41 mil pessoas. No auge, as filas para entrar na sala exigiam até três horas de espera”, comenta, lembrando que o número é ainda mais expressivo dado o contexto de limitação do número de visitantes no local. Uma medida de segurança para garantir a segurança e integridade das obras, alvo de ataques à época.
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“Essa exposição teve forte impacto na sociedade com repercussão na mídia televisiva nacional e acabou por provocar a primeira reação vitoriosa à onda de censura e obscurantismo que assolava o país. A ampla movimentação da sociedade civil, sobretudo dos meios artísticos, resultou na criação da Frente Nacional Contra a Censura, sendo determinante também para a nomeação da galeria recém-inaugurada no próprio Palácio das Artes que passou a se chamar PQNA Galeria Pedro Moraleida, localizada no próprio foyer de entrada, ao lado da Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard”, indica o encarte de apresentação do iPMB, lembrando que, no ano seguinte, telas do artista foram apresentadas no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, na exposição “Canção do Corpo Fervente”, que teve mais de 45 mil visitantes.
Pedro Moraleida por ele mesmo
Dono de uma obra que, simultaneamente, gera protestos e interesse, jamais a indiferença, Pedro Moraleida já expressou, ele próprio, sua visão singular da arte e de seu trabalho, em particular. Foi o que fez, por exemplo, quando participou da exposição coletiva “Daqui a um Século”, de 1997, ano do centenário de Belo Horizonte.
“Procuro, nestes trabalhos, usando imagens e personagens bíblicos, da mitologia grega, passar uma impressão agressiva e mórbida, utilizando também símbolos como pessoas desmembradas, pessoas urinando ou defecando e animais grotescos (lagartos, insetos, etc.)”, expôs o então estudante do 3° período da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
“Eu busco passar este tipo de impressão para falar das características de nossa época, especialmente, das pessoas da minha faixa etária. Tento falar especialmente de certas características que me desagradam e me irritam profundamente na minha geração, como um conservadorismo disfarçado e um hedonismo que nada mais é do que um refúgio dos próprios problemas”, complementou o artista no curto texto, cuja conclusão serve, também, para as várias exposições e atividades que, até julho de 2025, tomam a cidade a partir de uma bem-vinda “invasão Moraleida”, iniciada nesta quarta-feira (28): “Isto é tudo que quero dizer, o resto fica por conta de quem for ver”.