“Toda arte é um fluido corporal, logo todo artista é um onanista terminal”. A proposição, de acento provocativo, é do multiartista belo-horizontino Pedro Moraleida Bernardes, que faleceu precocemente, aos 22 anos, em 1999, ainda estudante da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Anotado à mão, em meio a outras reflexões cuidadosamente preservadas por seus pais, Luiz Bernardes e Nilcéa Moraleida, o postulado funciona também como uma sintética apresentação da arquitetura da extensa obra deixada por ele, mais expressivamente nas artes visuais, mas também na literatura e até na música experimental. 

Em comum – como na citada anotação, estruturada à luz do pensamento lógico e objetivo para, então, desconcertar o leitor com algo de debochado e reflexivo –, o conjunto de trabalhos deixados por Moraleida recorre, muitas vezes, ao erudito, em forma ou conteúdo, para, então, contaminá-lo com elementos do pop, subvertendo signos e significados e desfigurando e dessacralizando ícones culturais, políticos ou religiosos – como o personagem Mickey Mouse, presidentes norte-americanos, pensadores e pintores fundamentais da filosofia e da pintura e figuras bíblicas.

Agora, uma pequena fração dessa produção será apresentada na exposição “Moraleida, contemporâneo…”, que, inaugurada nesta quarta-feira (28), totalizando 71 obras, algumas inéditas, selecionadas pelo curador Augusto Nunes-Filho, abre a programação que lembra os 25 anos da morte do artista, marcando também a abertura da sede, na Savassi, do Instituto Pedro Moraleida Bernardes (iPMB), criado em 2018 com a missão de organizar, preservar e difundir o acervo deixado pelo mineiro. Um trabalho que, desde 1999, tornou-se o projeto de vida de seus pais, envolvendo também amigos e colegas do artista e da família.

Além de culminar na nova exposição, esses esforços coletivos e afetivos resultam também em uma série de atividades e eventos, que vão se desenrolar até julho de 2025, em uma espécie de “Invasão Moraleida em BH”, detalha Luiz Bernardes.

Pintura da série Vasos Intercomunicantes | Crédito: iPMB/Divulgação

Exposições, debates e intervenções

Após a realização da mostra na sede do iPMB, a programação “Moraleida, 25 anos depois…” segue com uma segunda exposição, de caráter mais lúdico, tendo como foco os desenhos, quadrinhos e cartoons assinados pelo artista ainda na infância, que será montada em outubro, no Viaduto das Artes, no Barreiro. Nos meses seguintes, a sede da Academia Mineira de Letras (AML), na rua da Bahia, recebe trabalhos centrados no artista-escritor. Há a expectativa de que alguns dos seus trabalhos sejam apresentados também no Centro Cultural da UFMG, onde Moraleida fez suas principais exposições em vida, mas a data ainda não está certa. Todas essas ações, então, convergem para a inauguração da maior exposição individual dedicada às obras do belo-horizontino – o local, no entanto, ainda não foi divulgado.

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Em outra frente, Luiz Bernardes (na foto abaixo) explica que o iPMB planeja, com entidades parceiras, realizar um ciclo de debates. O projeto, intitulado “Arte hoje: encontros”, soma sete mesas, realizadas entre setembro e julho de 2025, sempre na AML. “O objetivo é congregar os maiores artistas e curadores do país para discutir não a obra específica do Pedro, mas o atual estado e estatuto das artes, seus dilemas e perspectivas”, aponta, lembrando que todas as edições vão contar com a presença de ao menos um debatedor de expressão nacional e internacional, incluindo nomes como Lisete Lagnado, José Alberto Nemer, que já descreveu o trabalho do homenagedo como “uma transgressão plástica sem rodeios, selvagem e lírica ao mesmo tempo”, Julia Rebouças e Paulo Miyada, para quem Moraleida apresenta uma obra “visceral”.

Não é só. A “invasão” promove também intervenções, tanto de som – na forma de um trabalho de música experimental assinado por Patrícia Bizzotto, realizado a partir dos registros sonoros legados pelo homenageado, e um show de Marcelo Veronez e Claudinho Moraleida, primo do multiartista, musicando composições deixadas por ele –, quanto cênicos – caso de uma peça teatral do Grupo Oficcina Multimédia, inspirados na obra de Pedro Moraleida, e da exibição do média-metragem realizado por Sávio Leite, intitulado “É Proibido Jogar Futebol no Adro Desta Igreja ou a Confissão de um Artista Plástico Quando Jovem Diante do Século XXI e de Tudo o Mais, ou Tratado de Dissipação, Princípio de Redução”.

SERVIÇO:

O quê. Abertura da exposição “Moraleida, contemporâneo…”
Quando. Nesta quarta-feira (28), às 19h
Onde. Instituto Pedro Moraleida Bernardes - iPMB (rua dos Inconfidentes, 732, loja 2, Savassi)
Quanto. Entrada gratuita