“Eles se paqueram pela doença”, solta Grace Passô, tirando sinceras gargalhadas naqueles que a ouviam durante coletiva de imprensa realizada após a exibição do filme “O Dia que Te Conheci”, nova produção da Filmes de Plástico, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (26).

A fala da atriz, co-protagonista do longa-metragem, sintetiza a obra com perícia: uma história de amor bem-humorada, que tem a saúde mental — ou a falta dela — como elo que une a sua personagem, responsável pelo RH de uma escola pública, Luísa, com o bibliotecário Zeca, interpretado por Renato Novaes.

“O jeito de contar a história vai na contramão de uma expectativa mais inocente, romântica, clássica… Ela é contada a partir de um certo sintoma, que, até pouco tempo atrás, era considerado um tabu. No filme, as personagens são diretamente afetadas pelo seu tempo”, destaca Grace, que já atuou em outros dois filmes da produtora, “Temporada” (2018) e “No Coração do Mundo” (2019).

"O Dia que te Conheci" tem Renato Novaes e Grace Passô no elenco. Foto: Malute/distribuição

Na trama, acompanhamos um dia na vida de Zeca, que luta para acordar cedo para não perder o horário de chegar no trabalho. Acontece que nada do que ele faz dá certo (como colocar dois alarmes para despertar ou pedir o amigo para acordá-lo), porque ele faz uso de medicamentos fortes para controlar a depressão e o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), remédios que acabam interferindo na regulação do sono dele. 

Então, mais uma vez, Zeca acorda tarde, corre o mais que pode para pegar o ônibus para chegar a tempo na escola, mas, no meio do caminho, o automóvel quebra. Quando finalmente chega à escola, mesmo após receber a notícia da demissão, a sua vida parece ganhar um novo frescor ao conhecer Luísa. 

“Acho que as pessoas têm uma expectativa muito grande, principalmente em histórias românticas de cinema, que vai acontecer forçação de barra o tempo inteiro [entre os personagens]. Mas, na vida real, pelo menos na minha, não é isso o que acontece. O filme só reflete isso”, comenta Renato Novaes, que também atuou em “Temporada” (2018), “No Coração do Mundo” (2019) e “Marte Um (2022).

“A Luísa também é uma personagem muito parecida com as mulheres que conheço e carrega características muito próprias das mulheres negras brasileiras, como a proatividade e a capacidade de enxergar soluções para os problemas de sua comunidade. Além disso, desde quando li o roteiro pela primeira vez, percebi que seria muito importante que ela tivesse uma espécie de brilho e de graça: de alguma forma, ela é um sol na vida de Zeca, que tenta, de forma muito objetiva, mudar a vida dele”, aponta Grace.

Tão importante quanto a trama é o cenário onde ela se passa. Assim como em outras produções da Filmes de Plástico, o “O Dia que Te Conheci” é ambientado em terras mineiras. Zeca mora no bairro Paraíso, na região Leste de Belo Horizonte, e vai todos os dias até Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, para trabalhar, em uma verdadeira epopeia do cotidiano do brasileiro.

 Diretor do filme, André Novais conta que essa escolha parte de um desejo de mostrar “uma ideia da geografia da região metropolitana” tanto para quem mora aqui quanto para quem é de fora. “Acho que não passou por uma questão consciente, mas outra coisa importante é que, no caso do Zeca, ocorre uma certa inversão, porque ele sai do centro para a região metropolitana para poder trabalhar”, argumenta Novais, irmão do protagonista.

"O Dia que te Conheci" estreia nesta quinta-feira. Foto: Malute/distribuição

Os diálogos também fluem carregados do sotaque, gírias e expressões daqui, como “de rocha”, “agarrado” e “uai”, mas as falas são construídas de maneira a correr longe de qualquer esteriótipo.

“Nós sempre conversávamos sobre uma certa de chateação com alguns filmes e novelas que colocam o sotaque mineiro de forma muito diferente da original, seguindo por um lado mais ‘caiperesco’. Nossa ideia, então, é que os filmes retratem o nosso sotaque de maneira natural. No caso das gírias, a ideia é registrar, até em um sentido documental, o universo do hip-hop e das favelas. Belo Horizonte tem gírias muito interessantes, e sempre quis retratá-las, como a fala ‘BH é quem? BH é nóis’”, conta Novais.

A trilha sonora é outro elemento precioso no filme. Há tanto destaques do rap mineiro, como Djonga, Matéria Primeira e FBC (que também faz sua estreia como ator), quanto música clássica, como a do compositor norte-americano William Grant Still, do século XIX. “Já tinha usado músicas assim no primeiro filme que dirigi, o ‘Ela Volta na Quinta’. Quando estava montando o filme, veio uma vontade de pegar essas músicas de novo para testar. Queria uma trilha épica dentro do cotidiano para criar um contraste”, revela o diretor. 

Filme já recebeu diversas premiações

O longa-metragem “O Dia que Te Conheci” estreou no Festival do Rio, passou pela Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e foi exibido em outros festivais, como em Mar del Plata (Argentina), Munique (Alemanha), Recife, Brasília e Tiradentes. Na maioria dos locais pelos quais passou, a montagem foi laureada, como com o Prêmio Especial do Júri e Atriz, no do Rio, com Prêmio da Crítica, na Mostra de São Paulo, e com os prêmios de melhores ator, atriz e roteiro, no de Brasília. 

"O Dia que te Conheci" tem FBC, que também faz sua estreia como ator. Foto: Malute/distribuição

Ainda assim, Thiago Macêdo Correia, produtor da Filmes de Plástico, chegou a escutar que a produção se tratava de um “filme pequeno.” “Fiquei um pouco nervoso com os festivais, porque tivemos retornos superpositivos, mas ouvimos que o filme era pequeno, no sentido de modesto, porque se trata de uma comédia romântica. Mas esse filme também é sério, ao mesmo tempo em que é engraçado. De toda forma, estamos esperançosos que aconteça o mesmo com ‘Marte Um’, que cresceu por causa do burburinho”, espera Correia, reforçando, para isso, o papel da Malute, nova distribuidora da produtora mineira Filmes de Plástico.

Novo longa da Filme de Plástico já está sendo filmado

Na ocasião da cabine de imprensa de “O Dia que Te Conheci”, o produtor da Filmes de Plástico Thiago Macêdo Correia falou a respeito de “Vicentina Pede Desculpas”, dirigido por Gabriel Martins (“Marte Um”), que começou a ser filmado na semana passada em Belo Horizonte.

A nova produção é uma parceria com a Netflix, mas o combinado com a gigante do streaming é que ele vá para festivais e estreie no circuito comercial. “O filme terá como protagonista a atriz Rejane Faria, que atuou em ‘Marte Um’, além de participações de Grace Passô e Renato Novaes”, conta Correia. 

O longa acompanha a história do luto de uma mulher (Rejane Faria), cujo filho, um motorista de ônibus, provocou a morte de várias pessoas em um acidente. Na trama, Vicentina sai em uma dolorosa jornada na busca das famílias dessas pessoas, em uma tentativa de conseguir o perdão para o filho. O filme, que terá oito semanas de filmagens, ainda não tem data para estrear.