“Seria impossível receber um convite do Inhotim sem algum tipo de apreensão. Estamos falando, talvez, de uma das instituições culturalmente mais efervescentes do país”. A admissão é de Leandro Oliveira, que encara um desafio duplo no instituto: em uma frente, lidera a curadoria de música, em outra, atua como regente da também recém-criada Orquestra Inhotim.

“Até pela natureza do museu, entendi, desde o início, que todas as ações de música e da orquestra deveriam se encaminhar para uma abordagem multi e interdisciplinar, ou seja, nossa atuação só faria sentido se dialogasse com todas as outras ações e atividades no espaço”, reflete, ponderando que, dessa forma, a proposta ganhava ares também de um “super-desafio” – “que, até pela qualidade do time e pela generosidade da equipe que aqui encontrei, tenho encarado com muita alegria”, garante ele, que, antes de chegar ao Inhotim, Oliveira somou experiência em prestigiadas instituições orquestrais brasileiras. 

Na Sinfônica do Estado de São Paulo ficou por mais de 20 anos. Na Filarmônica de Minas Gerais teve passagem durante a pandemia da Covid-19, conduzindo o bem-sucedido projeto de transmissão dos concertos. Ele ainda passou pela Sinfônica Brasileira. 

Ele explica que a ideia de uma curadoria de música surgiu no bojo de uma série de estruturações que o instituto já vinha passando desde 2022. “Objetivamente, foi em abril de 2023 que se instaurou essa frente de trabalho junto à diretoria artístico e de educação”, detalha, acrescentando que o objetivo, desde o início, era muito claro: alinhar todas as ações de música – que, de algum modo, já aconteciam no lugar – à vocação do museu para o contemporâneo.  

“Nesse sentido, a Orquestra Inhotim, de um ponto de vista mais artístico, portanto, tem esse direcionamento para a realização de concertos que falam do nosso tempo, executando obras de compositores vivos”, assinala, ao descrever uma das frentes de ação encabeçadas por ele, que atua como regente do corpo orquestral, formado por 25 jovens músicos bolsistas, de 15 a 30 anos, egressos ou ainda estudantes de música – “pessoas que estão em um momento de qualificação, sofisticando sua performance e buscando oportunidades de entrada nesse exigentíssimo mercado”.

Leandro Oliveira, maestro da Orquestra Inhotim | Crédito: Alexandre Rezende/Divulgação
Leandro Oliveira, maestro da Orquestra Inhotim | Crédito: Alexandre Rezende/Divulgação

Entre as ações de qualificação artística lideradas por cinco professores-mestres, todos músicos profissionais com experiência internacional, entram a realização de workshops, masterclasses, simulados de audições, ensaios regulares e apresentações públicas, além de turnês formativas e serviços de orientação profissional. Os participantes recebem bolsa de estudo no valor de R$ 1.200,00 mensais, de fevereiro a novembro, como incentivo à sua formação profissional e dedicação à programação da orquestra.

“Percebendo essa nossa vocação para o contemporâneo e entendendo que havia esse espaço no universo da música clássica – uma vez que não existe nenhuma outra formação contínua ou corpo artístico, auspiciado por uma instituição, que seja dedicado a esse tipo de linguagem, ainda mais para um público de formação de jovens profissionais –, nos demos conta que, se não fosse aqui, não teria outro grande espaço que pudesse abrigar essa iniciativa”, avalia Oliveira, ressaltando que os músicos, diante do desafio de trabalhar com um repertório que não conheciam, se mostram estimulados – inclusive para a sua primeira turnê fora do Estado.

Novos compromissos

“Nos dias 25 e 26 de outubro, vamos realizar um concerto no Teatro São Pedro, em São Paulo, com o Quarteto Inhotim, formado pelos líderes dos naipes, e, claro, a própria Orquestra”, cita, antecipando que o programa vai incluir obras já realizadas, algumas com estreia mundial em BH. Em seguida, no dia 12 de novembro, é a vez da Fundação de Educação Artística (FEA) receber uma apresentação tarada como “interessantíssima” pelo regente.

“Vamos receber uma grande especialista em música contemporânea, a Gabriela Geluda, cantora que vai fazer obras da Jocy de Oliveira e do John Cage, e teremos ainda uma pré-estreia de uma obra do Paulo Nazareh, que vai reler o Carlos Gomes”, conta.

Por fim, em dezembro, o Quarteto apresenta um concerto em homenagem à compositora Marisa Rezende, que completa 80 anos. “Vamos trazer um programa que combina peças dela e de jovens artistas brasileiros que dialogam com o trabalho dela”, detalha.

Realizar eventos musicais que não soem intrusivos é desafio
Além de reger a Orquestra Inhotim, o músico e pesquisador Leandro Oliveira também lida com diversos desafios técnicos quando o assunto é o trabalho que ele desenvolve em outra frente no instituto, onde acumula também a função de curador de música, atuando na articulação de ações junto à programação pública do museu.

“A gente já fez alguns shows ao longo do primeiro semestre – lembro, por exemplo, da Ava Rocha –, e desenvolvemos o nosso festival internacional com curadoria própria, o Jardim Sonoro, que aconteceu, pela primeira vez, em julho, e teve uma grande e boa acolhida”, indica, fazendo menção ao festival que recebeu atrações como Paulinho da Viola, Kalaf Epalanga e Juçara Marçal.

“Um ganho objetivo das nossas ações foi firmar o espaço como protagonista de sua programação musical. Dessa forma, para além das ações já tão significativas da Orquestra e da Escola de Música junto à comunidade, temos agora a oportunidade de usar o parque, durante o seu período de funcionamento, como palco dessa arte tão nobre”, defende, ponderando que a empreitada implica grandes desafios – “até porque não faria nem sentido pensar música no Inhotim se não com todo o cuidado a essa natureza do espaço”.  

Atento às particularidades do lugar, Leandro Oliveira detalha, por exemplo, que os concertos da Orquestra são realizados ao ar livre, sem uso de amplificadores. “Privilegiamos um som, que se faça de boa qualidade, claro, mas que não seja intrusivo àquele ambiente, que acho, sonoramente, muito interessante. Com isso, tivemos surpresas extraordinárias, como a visita de famílias de macaquinhos e passarinhos, que ficaram ‘conversando’ com o público enquanto a gente se apresentava”, explica.

“Para o festival, recorremos à mesma estratégia, usando palcos menores, além de um grande palco, em que tomamos todo cuidado para realizar uma sonorização específica. Mas, eu arrisco a dizer que a parte mais sofisticada se deu nos palcos menores. Até os artistas comentavam o quanto era especial tocar com aquele tipo de sonorização, que convida a uma certa intimidade em vez de tentar acessar o ouvido do sujeito que está distante”, complementa Oliveira.

“É um desafio porque, evidentemente, a gente tem que lidar com uma música ao livre que esteja seja bem-recebida por todos que estão passando pelo parque”, reconhece o curador. “É uma equação difícil, porque nossa ideia é que um show no Magic Square (do artista Hélio Oiticica) não atrapalhe quem está visitando alguma galeria do entorno”, situa.

Educação e música
Citada por Leandro Oliveira, a Escola de Música é uma iniciativa de formação, ligada à diretoria de educação do Inhotim, que, sob a batuta da educadora, pesquisadora e museóloga Gleyce Heitor, atende à comunidade de Brumadinho, acolhendo alunos e alunas da rede pública, de 6 a 17 anos, assim como adultos a partir de 60 anos. A aluna mais velha, Dona Bilica, tem 91 anos.

Os participantes do projeto recebem aulas sobre instrumentos musicais, voz e técnicas de percussão, além de atividades de criação, notação e percepção a partir do universo artístico e botânico do instituto e seu entorno. Neste ano, 83 pessoas – selecionadas entre 135 inscritas – integram o quadro da Escola de Música, que mantém agenda pública de apresentações e ensaios no município de Brumadinho e no Inhotim.