Em “Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice”, uma das principais estreias de hoje nos cinemas, a passagem para o pós-vida acontece numa espécie de estação de metrô subterrâneo, em que todos dançam e se vestem ao estilo da época do paz e amor dos seventies. É um dos melhores momentos do filme, quando a trama investe mais no humor surrealista e infantil que caracteriza a obra do diretor Tim Burton.

A referência óbvia, nesta sequência específica, são os musicais produzidos há meio século, como “Jesus Cristo Superstar” e “Hair”. Em outro momento, o filme põe Beetlejuice, a anárquica criatura do além vivida por Michael Keaton, fazendo uma deliciosa paródia de “MacArthur Park”, música melancólica sobre o fim de um relacionamento, cantada originalmente por Richard Harris e lançada em 1968.

A cena acontece numa igreja, marcante por reunir todos os personagens dessa continuação do inesperado sucesso de 1988 – segunda incursão de Burton como diretor de longas e principal cartão de visitas para que ele pudesse assumir “Batman” um ano depois. O filme está perto do fim e a sensação é de que o absurdo proporcionado por esse encontro e pela entrada de vez de Beetlejuice deveria ter acontecido bem antes.

Ao mesmo tempo em que busca dar continuidade ao primeiro filme, até de forma cronológica, já que se passam quase duas décadas entre uma história e outra, a sequência se vale de uma estrutura narrativa semelhante, desenvolvendo-se a partir de uma família disfuncional (os Deetz), agora com uma nova integrante – a filha de Lydia (Winona Ryder), interpretada por Jenna Ortega – que é assombrada mais pelos entes do que pelas histórias fantasmagóricas do passado.

Assim, as brincadeiras ficam restritas principalmente a este desajuste geracional, em que Astrid (Jenna) parece não suportar a vida em família. Nesta primeira parte, Burton também aproveita para fazer a conexão com o original, passando a limpo as duas décadas em que Lydia virou apresentadora de programas sobre paranormalidade e o pai foi morto por um tubarão – uma forma de tirar o ator Jeffrey Jones de cena, por seu envolvimento com pornografia infantil.

Na verdade, o pai Charles aparece sim (não em carne e osso), com direito à animação e mote para Lydia se encontrar com a madrasta Delia (Catherine O’Hara, também presente no filme de 1988). Com a morte, essas três mulheres (Astrid, Lydia e Delia) voltam para o cenário onde tudo começou, quando Beetlejuice foi convocado para por um casal de fantasmas, recém-desencarnados, para se livrar justamente da família Deetz.

Tudo isso ajuda a nos envolver novamente neste universo, mas de uma maneira muito burocrática, imprimindo um ritmo insosso até que Beetlejuice se vê novamente convocado para resolver as coisas na família Deetz. A narrativa melhora substancialmente, ainda que de forma tardia, sem corrigir, porém, alguns problemas graves, especialmente a entrada de novos personagens, como o par romântico de Astrid e uma vingativa ex de Beetlejuice, interpretada pela bela Monica Bellucci.

A intenção, aparentemente, era criar outros vilões frente ao carisma do anti-herói, mas não funcionam como deveriam, a ponto de, se retirássemos as cenas com Bellucci, não fazerem qualquer falta ao entendimento da história. Já o personagem de Willem Dafoe, outra novidade dessa continuação, consegue se justificar mais, não só pelo talento do ator, como também por algumas brincadeiras metalinguísticas – uma bem mórbida, por ele ser um ator que morreu no set ao ser vítima de uma granada real.

Seria uma referência a Alec Baldwin, que vem enfrentando um julgamento justamente por ter usado um revólver de verdade durante filmagem de um faroeste, matando uma diretora de fotografia? Baldwin, é bom que se diga, fez parte do primeiro longa, como um dos fantasmas recém-desencarnados, ao lado de Geena Davis. As brincadeiras se sobressaem, mas são tão esparsas que parecem mais esquetes cômicos.

Há de se lamentar também a ausência de aprofundamento da criatura de Keaton, que ressurge sem qualquer alteração. É o único que parece ter saído diretamente do filme de 1988, enquanto acompanhamos o passar do tempo entre os integrantes da família Deetz. E Jeena, com quem Burton trabalhou em “Wandinha”, destoa um pouco em seu registro de atuação, o que ganha relevo por ser a personagem que conduz a narrativa.