Jéssica Gaspar despertou para a arte em sua cidade natal, por intermédio da Central Única das Favelas (CUFA), onde aprendeu a dançar break e descobriu “como nosso corpo é um caminho de linguagem, memória e poesia”, conta. No seu caso, “um corpo de mulher, mãe, negra”. Aos 28 anos, a carioca radicada em Diamantina, interior de Minas Gerais, foi reconhecida como Liderança Negra e Agente Cultural pela subsecretaria de Direitos Humanos da prefeitura do Rio de Janeiro.
Agora, ela é uma das atrações da nona edição do Festival Verbo Gentileza, que acontece neste final de semana em Belo Horizonte, e reúne nomes como Fernanda Takai, Coral, Dona Jandira e a banda Tutu com Tacacá, entre outras atrações que incluem oficinas, intervenções e rodas de conversa, feitas exclusivamente por mulheres, o grande diferencial deste ano.
A ideia surgiu durante uma viagem da idealizadora do festival, Patrícia Tavares, no Dia Internacional das Mulheres. “Fui provocada por esse encontro, e comecei a ler sobre o volume de feminicídios no país. Minas é o segundo Estado que mais mata mulheres por dia”, lamenta Patrícia, que, ao realizar um colóquio com 70 mulheres, chegou à escolha do verbo “reconhecer” para definir a edição atual, pois era “o verbo que mais estava pulsando no coração de todas”, no sentido de oferecer um olhar aguçado para a potência feminina em sua ampla diversidade, e que se transformou no tema do Verbo Gentileza 2024.
A partir daí, Patrícia empreendeu um esforço para atingir algo praticamente inédito: sem exceção, as profissionais do evento são mulheres, da curadoria à equipe de segurança, passando pelas artistas que se apresentam na praça. “Não foi tarefa simples, foram meses de pesquisa, e percebemos alguns estranhamentos, mas acredito que a gente vira modelo quando consegue realizar algo dessa magnitude”, orgulha-se Patrícia. Segundo ela, o enfoque do festival “não é discutir as dores femininas, mas mostrar que, quando as mulheres se juntam, elas podem fazer tudo que quiserem”.
Nesse sentido, o festival contou com a colaboração de coletivos e iniciativas conduzidas por mulheres, como Chica, Minas de Minas, Sonora Festival e Mulheres na Produção. Jéssica Gaspar exalta a representatividade. “As mulheres são parte da força genuína de trabalho, de alegria, de prosperidade, de felicidade na vida de toda humanidade. Então, dar a nós um espaço para poder cantar, sorrir, dançar livremente, circular sem medo de existir, é urgente e maravilhoso”, afirma.
Amoroso e intimista
Jéssica garante que preparou “um espetáculo amoroso e intimista”, com canções autorais que ela escreveu em Minas, e que “celebram a natureza, o amor, as crianças, as mulheres, nossas alegrias, lutas e prazeres”. Foi a cidade de Diamantina que a permitiu “ir para o rio, subir as montanhas, estar de frente com as cachoeiras”, conectando-a de maneira natural, pela primeira vez, com a própria ancestralidade, o que a levou a “construir uma arte que é viva, sempre viva, e que pretende brilhar em mim. Como ‘Capim Dourado’”, diz, em referência ao título de sua primeira música lançada na internet, em 2022, garantida no repertório.
“Vão Ter Que Pagar” e faixas do EP “Amor”, de 2023, também prometem marcar presença. Jéssica já realizou parcerias de destaque com Sérgio Pererê, e segue cheia de planos na bagagem, como de praxe. Recentemente, ela colocou na praça o registro de sua participação no Estúdio Show Livre, e prepara uma turnê de shows com o grupo Ilu Oba de Min, que a “ensina a beleza através da potência dos tambores femininos”. Para completar, tem se dedicado a pesquisar com afinco a música eletrônica.
“Descobri que era possível sublimar qualquer tipo de dor através da poesia, através da arte. Por isso passei a cantar, compor, pintar, desenhar, construir meus figurinos e tornar cada pedaço da minha vida um lugar especial em arte”, arremata Jéssica. Para Patrícia Tavares, o Festival Verbo Gentileza mantém intacta a essência das três perspectivas da yoga que ajudaram a fundá-lo: “eu cuido de mim, a gente cuida do outro e, juntos, cuidamos da comunidade”. “Fortalecemos essa visão do quanto somos responsáveis pelo clima, pelo bem-estar da cidade, hoje somos inspiração para quem quer olhar tudo isso com mais profundidade”.
Serviço
O quê. Festival Verbo Gentileza
Quando. Neste sábado (7) e domingo (8), das 9h às 20h
Onde. Praça Floriano Peixoto, no bairro Santa Efigênia
Quanto. Gratuito
Programação completa em www.verbogentileza.com.br