Na praça Sete de 50 anos atrás era comum que, nesta época do ano, fossem vistas kombis vendendo ingressos para o teatro. A cena se repetia também nas praças da Liberdade e da Savassi: pessoas compravam bilhetes para espetáculos a preços populares nos veículos estacionados nos locais de grande circulação da capital. Tratava-se Teatro para o Povo, movimento de popularização do teatro que começou no Rio de Janeiro e chegou em Belo Horizonte em 1975.
Popularmente conhecido como Campanha das Kombis, a iniciativa perdurou em diferentes cidades do país até o início da década de 80, quando chegou ao fim após perder o apoio financeiro do governo federal – a cada dez ingressos vendidos, o executivo repassava o mesmo valor para os organizadores.
Entretanto, uma única capital do país não teve a iniciativa desmantelada. Mesmo sem patrocínio, o movimento continuou em Belo Horizonte, recebendo um novo nome: Campanha de Popularização do Teatro. Anos depois, o Sinparc assumiu a organização do evento e incluiu a dança à programação.
“Das cidades participantes da Campanha das Kombis, Belo Horizonte era a que concentrava número de pessoas que ia ao teatro”, relembra o coordenador da Campanha, Dilson Mayron. “Acredito que conseguimos atravessar todos esses anos porque nunca tivemos preconceitos e abraçamos a diversidade teatral, e nós mantivemos a origem, de reunir espetáculos que estreiam no ano anterior”, explica.
Mas para comemorar as cinco décadas de campanha, celebrados em 2025, a organização ampliou o critério de seleção dos espetáculos: neste ano, peças nunca antes apresentadas na capital puderam entrar na programação. Com isso, estarão em carta 195 espetáculos, número recorde da campanha, que estreia nesta sexta-feira (3) e segue até o dia 16 de fevereiro.
“Dos quase 200 espetáculos, 67 são estreantes e nunca participaram da campanha. São peças que englobam todos os públicos, como crianças, jovens, adultos e pessoas mais velhas. Tem para todos os gostos”, afirma Mayron.
Outra ação para a 50ª edição da Campanha de Popularização Teatro & Dança foi a realização de uma parceria com o Palácio das Artes. O equipamento cultural, que conta com três espaços – Grande Teatro, Teatro João Ceschiatti e Sala Juvenal Dias – geralmente volta a funcionar no fim de janeiro, mas vai abrir as portas antecipadamente exclusivamente para receber as montagens.
“Juntamente com o Governo de Minas, conseguimos antecipar a volta das férias coletivas, e o Palácio vai abrir mais cedo. Como serão três espaços, lá estará concentrado o maior número de espetáculos da campanha”, comenta.
Além disso, cidades da região metropolitana de Belo Horizonte também serão contempladas com espetáculos da campanha. Betim, Contagem e Ribeirão das Neves estão neste circuito. “Em Ribeirão das Neves, inclusive, as peças terão entrada franca. É uma forma de ajudar a população a conhecer mais do teatro”, explica. Além disso, a programação vai se estender por mais dias – serão 10 a mais em comparação com a última edição.
Ainda assim, o desejo da organização era que a campanha durasse ainda mais. “Mas é impossível por causa do Carnaval. Há muitos pontos que são fechados para a passagem dos blocos, e, em muitas vezes, somos pegos de surpresa, porque a Belotuor não nos repassa os locais de interdição. Isso acaba prejudicando a nossa programação”, reclama Mayron.
Espaço para clássicos e estreias
A 50ª edição da Campanha de Popularização Teatro & Dança contempla uma programação diversificada. Além de espetáculos teatrais para adultos e crianças, ainda estarão em cartaz montagens de dança e stand-up comedy, dentre estreias e montagens clássicas.
Dentre as mais longevas está “Acredite, um Espírito Baixou em Mim”, há 27 anos em cartaz e que se tornou o maior sucesso de público em todas as edições. A comédia será encenada a partir de sábado (4) e conta a história de um homossexual assumido que, inconformado com a própria morte, foge do céu para viver novas experiências e acaba criando uma grande confusão após incorporar num machista radical.
Mesmo com quase três décadas em cartaz, Ilvio Amaral, à frente do elenco ao lado de Maurício Canguçú, explica que a peça mantém o frescor da estreia. “Nunca deixamos o espetáculo ficar morno, até mesmo porque ele é um clássico da comédia. Nós mexemos com assuntos muito delicados sobre sexualidade, machismo e religião. Por isso, tratamos os temas com muita delicadeza e sempre adaptamos o texto para ficar sempre atual. Além disso, sempre tento fazer meu personagem cair na inocência. Quando a Bibi Ferreira assistiu à montagem, ela a definiu como uma infantil escrito para adultos, porque não tem maldade”, aponta Amaral.
O ator também estará em cartaz, a partir da próxima quarta-feira (8), em outro espetáculo na campanha, o “Maio, Antes que Você me Esqueça”, em que o público conhece uma outra faceta de Amaral e de seu companheiro de cena, Maurício Canguçú, já que a dupla vive um drama. A trama conta a história de Sr. Hélio, que acometido pelo Alzheimer, vai passar um fim de semana na casa do filho Mauro. Durante esses dias, a relação dos dois se torna ainda mais profunda.
“Eu adoro fazer o ‘Maio’, apesar de ser um espetáculo muito difícil. Ele exige bastante concentração, e não é como o ‘Espírito’, que sempre tenho a possibilidade de improvisar. O texto do Jair Raso é muito primoroso, porque fala de temas difíceis com muita delicadeza”, analisa o ator.
E assim como os organizadores da campanha comemoram seus 50 anos de existência em 2025, Maurício Tizumba também celebra suas cinco décadas de carreira. Depois de ter rodado diversas cidades com o espetáculo “Herança”, o ator e músico estreia a montagem que homenageia sua trajetória no dia 17 de janeiro dentro da campanha.
O espetáculo cênico-musical da Cia. Burlantins, dirigido por Grace Passô, é uma busca pela herança cultural afro-brasileira. Além de ter no elenco o próprio Tizumba, a peça coloca em cena a filha dele, Júlia Tizumba, e seu “amigo e irmão”, Sérgio Pererê.
“Temos a felicidade de hoje podermos contar a nossa própria história com a visão do próprio preto. Historicamente, foram os brancos que narraram nossas vivências, que, não só não nos deram visibilidade, como invisibilizaram nossa trajetória. É inegável que a voz que emana de uma boca preta carrega consigo uma verdade intrínseca, capaz de alcançar as pessoas de maneira autêntica e profunda. Assim, contamos nossas histórias, transformando este espetáculo, onde pretos falam de pretos. Nesse processo, Sérgio, Júlia e Grace, contando ainda com a participação da Aline Vila Real no texto, que colabora, ajudando a costurar as palavras”, indica Tizumba.
SERVIÇO
O quê. 50ª edição da Campanha de Popularização Teatro & Dança
Quando. De hoje (3) até 16 de fevereiro
Quanto. R$ 25 nos postos Sinparc e pelo site vaaoteatromg.com.br. Na bilheteria, os preços podem variar de acordo com a produção.
Onde. Teatros de BH, Contagem, Betim e Ribeirão das Neves