Os mais de 60 anos de trajetória artística na televisão, cinema e teatro conferiram a Arlete Salles um acesso privilegiado ao imaginário brasileiro, com papéis em produções fundamentais na constituição da acidentada história do audiovisual nacional. Na TV, a atriz fez parte do elenco de produções como a novela “Tieta”, de 1989, e o humorístico “Toma lá, dá cá”, de 2007. No cinema, esteve no sucesso de bilheterias “Minha irmã e eu”, do ano passado, e “Tia Virgínia”, que lhe rendeu o Prêmio Grande Otelo na categoria Melhor Atriz Coadjuvante de Filme de 2024. Já no teatro, fez “Acorda Brasil”, de 2006, montagem pela qual foi indicada ao Prêmio Qualidade Brasil como Melhor Atriz Peça de Comédia.
Toda essa bagagem pesou quando a atriz recebeu o convite para estar em uma peça com texto do seu neto, Pedro Medina. “No começo, meu receio era não me identificar com meu personagem, com a dramaturgia, e ter que dizer ‘não’ para ele. Fiquei naquela expectativa. Mas, qual não foi minha surpresa quando fizemos a primeira leitura e vi que era um texto de indiscutível qualidade e beleza”, lembra ela, que, a partir desta sexta-feira (31) até domingo (2), apresenta em Belo Horizonte, no Teatro Sesiminas, o fruto dessa parceria familiar, o espetáculo “Ninguém dirá que é tarde demais”.
O faro de Arlete, ao chancelar o texto, aliás, se provou certeiro, com a montagem se tornando um sucesso de público, visto por mais de 300 mil pessoas nas temporadas presenciais e online. “Modéstia às favas, essa peça tem uma carreira brilhante, com casas lotadas por todos os lugares onde passamos”, comemora a atriz, que circula, agora, por dez cidades que não haviam recebido apresentações anteriormente.
Na comédia, que tem como plano de fundo a pandemia da Covid-19, Arlete dá vida a Luiza, que, por conta das turbulências daquele momento, recebe em casa o neto Márcio, interpretado por Pedro Medina. Em paralelo, no apartamento ao lado, está a família de Felipe, personagem do premiado ator Edwin Luisi, que, passando por instabilidades financeiras, vai morar com o filho Mauro, vivido por Alexandre Barbalho.
Com nervos à flor da pele, sensíveis àquele contexto de crise, Luiza e Felipe passam a se estranhar, implicando um com o outro, mas com cada um no seu apartamento, sem sequer se conhecerem pessoalmente. Mas, um dia, os dois precisam rapidamente ir à rua, quando, munidos de máscaras faciais e álcool em gel, se encontram sem fazer a menor ideias de que são vizinhos – vizinhos que, em tese, se odiavam. Então, a mágica acontece.
Entre amigos e familiares
“‘Ninguém dirá que é tarde demais’ é uma história bonita de duas pessoas de idade, que, como o título sugere, mostra que ninguém pode dizer que é tarde demais para ser feliz, para se amar”, examina Arlete Salles, que, em seguida, destaca a teia de relações que há por trás do elenco. “O Edwin Luisi dispensa apresentações. É um ator formidável, que só acrescenta, com quem trabalhei pela primeira vez há mais de 30 anos”, destaca.
Já Alexandre Barbalho, claro, é filho da atriz, que também contracena com Pedro Medina, seu neto e autor do texto dramatúrgico. “Estamos no palco em três gerações, o que já era um desejo nosso. A gente só não sabia como isso ia se dar”, reconhece.
“Acho muito gostoso trabalhar em família, testemunhar essa história de filhos que querem ir para o palco com a mãe, com a avó. Para mim, é uma alegria, um agrado para o coração, olhar para uma direção e ver o meu neto, para outra, ver meu filho”, anima-se.
Sobram elogios também para o diretor, Amir Haddad, outro grande parceiro de Arlete. Os dois trabalharam há 35 anos na peça “Felisberto e o Café”. “Os espetáculos dele têm uma marca, têm uma grife. Quando você vê, sabe que era ele na direção, porque o Amir de todas as artes, da música, da dança. E ele incorpora esses elementos nas peças, que ficam mais ricas, mais coloridas”, exalta.
Falando em música, vale citar que a montagem ainda somou contribuição de outro parente de Arlete, o ator, roteirista e músico Lúcio Mauro Filho, enteado da atriz, que assina, com Máximo Cutrim, a direção musical do espetáculo.
Fenômeno do momento
Quando fala sobre a surpresa de, em todas as apresentações, encontrar os teatros cheios, Arlete Salles reconhece os méritos do bom trabalho que o grupo vem realizando desde a estreia da comédia “Ninguém dirá que é tarde demais” – cujo título vem da música Último Romance, do Los Hermanos. Mas, para ela, há um componente a mais que também precisa ser considerado.
“A Fernanda Montenegro acha que as pessoas estão cansadas de botões, que querem ver outro ser humano no palco. E, com isso, os teatros estão mais cheios, povoados. Eu concordo com ela. Este é o fenômeno do momento”, avalia.
Agora, a atriz diz estar vivendo a expectativa pela apresentação em Belo Horizonte. Organizada, ela chegou na cidade na quinta-feira (30), um dia antes das apresentações. “Gosto de chegar com um tempo de antecedência, de ter um tempo de respiro para me aclimatar. Esforço (de encarar as viagens para as apresentações) sempre há, mas, assim, não chega a incomodar”, situa.
Para Arlete, aliás, as apresentações para as plateias belo-horizontinas são movidas a prazer: “Já estive na cidade com outras peças. Com ‘A Partilha’ (2012), certamente. E sempre encontrei uma plateia atenta, interessada. Espero que, dessa vez, não seja diferente. Espero que o sucesso nos acompanhe e contamos com a presença do público, porque, segundo Shakespeare, a tragédia não está no palco, mas, sim, na poltrona vazia”.
SERVIÇO:
O quê. Peça “Ninguém Dirá Que é Tarde Demais”, com Arlete Salles, Edwin Luisi e elenco
Quando. Nesta sexta (31) e sábado (1º), às 20h; domingo (2), às 19h
Onde. Teatro Sesiminas (rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia)
Quanto. A partir de R$ 19,50 (meia, Setor 3) até R$ 160 (inteira, Setor 1). Ingressos disponíveis na plataforma Sympla.