Não é exagero dizer que “Baby” é um filme mineiro, apesar de ter como cenário as ruas de São Paulo, num retrato sensível sobre a metrópole brasileira. O núcleo principal da parte criativa do longa, com estreia nesta quinta-feira (9) nos cinemas, tem raízes aqui, do diretor Marcelo Caetano, nascido em Belo Horizonte, à dupla de protagonistas, formada por João Pedro Mariano (de Guaxupé) e Ricardo Teodoro (Safira, perto de Governador Valadares).
“Não foi nada pensado, mas, de certa forma, tem uma coisa que coincide com a história dos três: é que, em algum momento da vida, fomos para São Paulo para trabalhar com arte. Fizemos essa aventura que é viver, ou melhor, se virar em São Paulo”, registra Caetano, que chega ao seu segundo longa, num universo bastante próximo ao do primeiro, “Corpo Elétrico (2017), em torno de relações homoafetivas marcadas por desejo e afetividade.
Em “Baby”, Wellington (Mariano) sai de um centro de detenção juvenil e, em sua busca pelos pais, na capital paulista, ele encontra amor, trabalho e proteção em Ronaldo (Teodoro). Este encontrou o seu jeito de viver, fazendo diversos tipos de programas, e tenta impô-lo a Wellington, com erros e acertos. De certa maneira, até por Ronaldo ser mais velho, é possível enxergar nele uma certa figura paterna, suprindo a ausência do genitor biológico.
“O pai (de Wellington) educou-o e esteve próximo até determinado momento. Depois, essa família se rompeu. O Welllington pode, no início do filme, começar uma busca em torno de pai e mãe biológicos e essas figuras históricas e sociais, mas, aos poucos ele vai se descobrindo em outro lugar. Ele e Ronaldo estabelecem uma relação de cuidado dentro da relação, mas, nesse percurso, o jovem descubra um outro tipo de família”, analisa o cineasta.
No lugar de pai e mãe, entram em cena pessoas com outros laços. “Na verdade, a gente está acostumado a ler as relações intergeracionais dentro desta chave do pai e filho. E o processo de amadurecimento deste personagem e de construção dele é perceber que o conceito de família é muito mais amplo. Eles são parceiros de trabalho, amantes...”, observa Caetano, que é avesso a leituras psicanalíticas. “Não acredito que todo mundo está buscando pessoas para substituir o pai”.
Ele opta por uma chave mais histórica das relações homoafetivas, ao se construir relações intergeracionais a partir da ideia de aprendizado – o mais velho ensinava para o mais jovem o que era ser homossexual numa sociedade em que isso não é bem aceito. De acordo com Caetano, o aspecto mais importante para Wellington é a conquista da liberdade. “Em especial, a estrutura que o mundo me dá para ser livre. Como conseguir se estruturar social e economicamente para ter isso?”.
O realizador sublinha que, na sociedade em que vivemos hoje, a liberdade depende de condições materiais. “Seria muito utópico dizer apenas que serei livre, sem entender o meu redor. O personagem está tentando entender ao lado de quem ele irá conseguir viver livremente e realizar os desejos, a sexualidade e a afetividade dele. Assim, ele vai descobrindo novas pessoas e vendo o que funciona. É um entendimento que, na solidão dele, não será livre”, assinala.
Formação de Minas Gerais pela ótica queer
Como os protagonistas são trabalhadores do sexo, o filme não desvia o olhar dessa troca na cama. “O sexo existe enquanto estou filmando o trabalho desses personagens. Ele está neste lugar. O que tentei fazer é deixar o filme o mais sensual possível, sem querer mostrar muito. Optei por sugerir mais, mantendo o mistério. Por muitas vezes, a sensualidade e a sexualidade do cinema acabam se conflitando, mas ‘Baby’ não tem nenhum interesse em construir uma imagem pornográfica explícita”, destaca Marcelo Caetano.
O realizador diz não dominar o código da pornografia e, se enveredasse por este caminho, iria acabar fazendo “simulação de sexo”, pela própria estrutura das cenas previstas. “Investi mais no toque, na proximidade do corpo. É uma história também de paixão e o desejo tem que estar lá o tempo todo. Muitas vezes, quando você abre demais as portas e mostra muito, acaba matando o desejo e o mistério. Não se trata de uma questão moral, porque admiro muito quem faz pornografia, mas não é o que interessava no filme”.
Caetano elogia a disponibilidade de João Pedro Mariano e Ricardo Teodoro para o trabalho de construção dos personagens. “Ricardo fez uma grande pesquisa sobre os profissionais do sexo, frequentando os espaços e conversando com eles. O João foi a saunas e cinemas pornô, além de ter ido na Fundação Casa (centro de detenção juvenil) para conhecer os meninos, mapeando as pessoas LGBT que estavam no sistema socioeducativo. “Depois tivemos um grande trabalho de ensaio e vimos muitos filmes juntos, para entender quais seriam as referências”, detalha.
“Eles trouxeram as experiências deles e coreografamos juntos, fazendo storyboard e discutindo como cada cena seria. Foi um trabalho muito coletivo com os dois e isso reflete bastante na estrutura do filme. Há ali três cabeças pensando como esses corpos seriam filmados. Além de tudo, entre eles teve uma afinidade muito grande. Quando João Pedro fez um teste já com o Ricardo, eles logo de cara se conectaram. Eles tinham um retrospecto muito grande em participar dos festivais de teatro no interior de Minas Gerais”, afirma.
O cineasta, que passou as festas de final de ano em BH, com a família, revela que, em seu próximo longa, irá filmar no Estado natal. “A gente está começando a escrever e procurar locação. Será um filme sobre a formação de Minas Gerais, do ponto de vista queer. Será um filme bem doido”, diverte-se. Caetano adianta que conseguiu levantar bastante informação histórica, mas que a trama será original . “A gente espera filmar daqui a dois, três anos no máximo”.