Rômulo Braga está com 48 anos. A idade, segundo ele, explica, em parte, a fase “paterna” que vive atualmente nas telonas, com os filmes “Manas” e “Homem com H”. No primeiro, o ator – brasiliense de nascimento e mineiro por opção – interpreta um pai abusador. No segundo, é uma figura rígida que fará Ney Matogrosso sair de casa, ainda adolescente, e se descobrir musicalmente.

“Tem duas coisas aí. Uma delas é a fase. Com 48 anos de idade, os personagens que têm chegado para mim são muito nesse sentido, pai de família, pai separado, pai ausente... São pais que estão envolvidos numa série de questões. De alguma maneira, os pais de ‘Manas’ e ‘Homem com H’ me fazem refletir sobre as problemáticas que a gente tem enquanto sociedade, enquanto nação”, analisa.

“Os nossos pais estão vindo com alguns defeitos de fábrica. Acho que a gente precisa olhar para o nosso passado para que o presente e o futuro sejam um pouco menos dolorosos em relação a essa figura tão importante num contexto familiar”, registra o ator, que pôde compreender melhor o seu papel e o de Jesuíta Barbosa (intérprete de Ney) pelo fato de ser filho de militar.

“Meu pai teve uma formação prévia como militar e depois foi para o serviço público, no qual se aposentou. A gente teve uma relação muito amorosa e dura ao mesmo tempo. Como os pais dessa geração, ele tinha uma postura mais severa, militarizada, eu diria”, analisa Braga, que muitas vezes se inspira na própria trajetória para compor seus personagens.

“Eu sempre me espelho nas coisas que acontecem na minha vida, nas relações que eu tive. Em todo trabalho que eu faço tento, na medida do possível, mesclar as experiências que eu tive com as ficcionais que o roteiro propõe. Tento fazer um tempero, uma mistura de cada, para que a coisa passe uma verdade, mas não toda, para que possa ter um espaço de criação”, explica.

Ele também tem se baseado em sua própria experiência como pai – tem dois filhos, um de 24 anos e outra de 11. E, como na ficção, existem questões que refletem os conflitos geracionais. “Eu ainda não consigo prever direito quais serão os conflitos. Consigo entender os conflitos com meu pai e os dele com meu avô, além de perceber um arquétipo desses pais”.

No caso de Antônio, o pai de Ney Matogrosso no filme, o ator enxerga que os conflitos se deram em torno dos movimentos políticos e culturais na década de 1960. “Isso gera um ponto grande de identificação (no público), mas o filme propõe um plus, que é a resignação, a partir do que se espera, do que se sonha. É o aspecto que mais emociona”, avalia.

Em relação a “Manas”, ele salienta que o maior desafio não foi exibir um pai dócil e, simultaneamente, monstruoso no interior do Pará. “O meu incômodo foi me aproximar do imaginário desse tipo de sujeito e encontrar os motivos e as justificativas para a atitude dele. É a parte mais dolorosa e triste”, comenta.

Braga pontua que, como não se trata de um filme expositivo, não há cenas explícitas em torno da maldade do personagem Marcílio. “As cenas precisam ser imaginadas pelo espectador. Dessa forma, fazer as cenas não era difícil, mas sim imaginar as situações de uma pessoa que poderia usar tamanha perversidade. Marcílio não tem um traço maquiavélico consciente”.

Os papéis de Rômulo Braga no cinema são, geralmente, complexos, cheios de nuances. “Uma das primeiras lições que eu tive no teatro era sempre procurar uma segunda faceta, que poderia ser oposta. Eu nunca consegui abandoná-la porque ela é sensacional para entendimento e construção de personagem e execução”, observa.

Apesar de ter feito muito cinema, especialmente produções independentes, Rômulo Braga começou a carreira em cima do palco, destacando-se, no início do milênio, em peças da Cia. Lúdica de Atores e na Luna Lunera. Com esta última, cocriou e atuou na premiada peça “Aqueles Dois”.

“Não sei se existe um ser humano completamente reto. A vida é muito longa, né? E o que é um recorte se não um recorte da vida? Quem de nós nunca falhou em algum momento? Pode não ser a falha mais grotesca do mundo, mas pode ter sido um mau tratamento, uma mentira, um xingamento no trânsito... Enfim, algum deslize no discurso, na atitude ou na prática”, pondera.

“Memória muscular” facilita trabalho em série

No último dia 4 de junho, a Netflix lançou a segunda temporada de “DNA do Crime”, em que Rômulo Braga faz um dos personagens principais, na pele de Benício, agente da Polícia Federal em Foz do Iguaçu que investiga um roubo transnacional ao lado de Suellen (Maeve Jinkings, com quem trabalhou também no longa “Carvão”).

Ele comemora o fato de a temporada de estreia, lançada em 2023, ter lhe dado uma “memória muscular”, chegando agora com um personagem com uma história já contada. “A primeira foi mais dificultosa porque a gente estava criando esse músculo, essa elasticidade, entendendo como é esse corpo, essa ‘phsysique’”.

Braga assinala que “DNA do Crime” é um produto diferenciado, “muito desgastante porque não é puramente um filme de ação, com um trabalho de ‘physique’, de construção, profundo”. O que não quer dizer que não exigiu dele fisicamente. “O cansaço é notório, devido à execução física, mas agora foi menos porque não tínhamos passado pelo processo de aprendizagem”, compara.

Participar de produções com sequências de ação não é algo novo para Braga. Ele lembra que fez um personagem que passa por várias situações de perigo extremo em “Treze Dias Longe do Sol”, como um dos moradores de um prédio que ficam presos no subsolo após um desabamento. 

“Tem ainda os personagens das séries ‘O Jogo que Mudou a História’ e ‘Maria e o Cangaço”, que são preenchidos de ação. Mas o ‘DNA do Crime’ foi a maior de todas as escolas nesse quesito”, diz Braga, que era fã de fitas de ação na adolescência. “Isso, de alguma maneira, me levou a estudá-lo quase inconscientemente”, comenta o ator, que vibra com o sucesso internacional do audiovisual brasileiro. “Volta e meia tem um ator premiado fora do Brasil”, exalta.

“O cinema brasileiro sempre foi potente, mas muitas vezes foi abandonado pela própria população. Uma atriz suíça me perguntou se eu tinha vontade de fazer filme fora, e eu disse que sim, mas que não havia conquistado nem um quinto do Brasil. Somos 220 milhões, há muito público aqui ainda. A gente precisa fazer o movimento de procurar entender o que nosso público está querendo consumir, sem perder a necessidade de dizer o que é preciso dizer”, pondera.

Atualmente ele mora em Brumadinho, na Região Metropolitana de BH. “Estou há dois anos lá. Resolvi me mudar durante a pandemia. Foi algo que decidi para a minha vida. Acho que estou mais tranquilo e feliz”, analisa. No próximo mês, ele volta ao set para participar do novo projeto de Ricardo Alves Jr.