O espírito revolucionário talvez se justifique por uma descoberta recente. Estudando a história de sua família, Moacyr Franco teve uma surpresa. “Acabei descobrindo que sou parente do Tiradentes…”, conta, em referência ao alferes que se tornou símbolo da Inconfidência Mineira. Residente em São Paulo há muitos anos, o mineiro de Ituiutaba se apresenta em Belo Horizonte neste sábado (22), com o espetáculo “Cantos e Contos”.
“Minha influência cultural é muito diversificada, Minas Gerais tem uma ala que não tem nada a ver com o Triângulo Mineiro, de onde eu vim, que é mais ligado a São Paulo e Goiás, então tive pouca influência desse pessoal originalíssimo de BH”, diz, desta vez aludindo ao atemporal Clube da Esquina de Milton Nascimento e seus pares.
Cantor, compositor, ator e apresentador, Moacyr, que passou a infância em Uberlândia, afirma que foi a ida para Ribeirão Preto, no interior paulista, que mudou sua vida, ao conseguir um emprego na Rádio Clube da cidade, onde passou a desenvolver seu leque de habilidades artísticas, característica sempre presente quando ele sobe ao palco.
“Faço o que é conveniente para mim, o show é uma invenção minha, não tenho compromisso com repertório, minha vida é muito ampla. Tem música nova que rende uma boa brincadeira, que posso contar a história e associar com alguma que não é muito conhecida”, afirma Moacyr, para quem o único cuidado em um espetáculo de grandes proporções é “não se demorar muito num assunto, porque senão fica chato…”.
Mergulhado no futuro
Aos 88 anos, o comediante que marcou a história da televisão brasileira com personagens icônicos como o Mendigo da “Praça da Alegria” (inventor do bordão que virou marchinha de Carnaval, “Me dá um dinheiro aí”), e Jeca Gay, sucesso na versão de “A Praça É Nossa”, no SBT, comandada por Carlos Alberto de Nóbrega, garante estar “mergulhado no futuro”.
“Eu não paro de pensar em tudo nunca. Tenho horror à programação da TV de hoje. A ideia que tenho de televisão é diferente. Estou alucinado pelo jeito de criar que o celular oferece. Mudou tudo, e agora estou interessado em inteligência artificial. Não paro. Estou criando coisas para outro tempo, outra gente, outro mundo”, promete Moacyr, sem esconder que a idade o “afeta muito”.
Recentemente, ele fez uma participação na novela “A Caverna Encantada”, do SBT, na pele do cativante Laércio, e se impressionou com a quantidade de compartilhamentos da cena nas redes sociais. “Foi mais de um milhão e meio, uma coisa louca”, constata. Gravado em 2024 e previsto para estrear no mês de setembro, “Meu Superman”, do cineasta Alexandre Estevanato, traz Moacyr como protagonista do filme que aborda o Alzheimer.
O momento o permite refletir sobre o passado, sem dispensar a verve humorística. “Quem me inventou como ator de cinema foi o Selton Mello, com ‘O Palhaço’, aí passaram a me convidar, sempre para fazer o papel de velho…”, brinca. Com o longa dirigido por Selton, em 2011, Moacyr ganhou o prêmio de melhor ator coadjuvante no Festival de Cinema de Paulínia, pela interpretação do Delegado Justo.
Múltiplo
A relação de Moacyr com o tempo é bem particular. “Tenho vários passados”, informa ele, ao relembrar como o romantismo o ligou à geração de cantores sertanejos que o catapultaram novamente ao topo das rádios na década de 1990, fenômeno que se repetiu ao ter a escatológica “Tudo Vira Bosta” cantada por Rita Lee, em 2003.
“Tem outro gênero que faço bem que são os ‘roteiros de filme’”, analisa, ao citar canções como “Dia de Formatura”, eternizada na voz de Nalva Aguiar, “Dia de Visita”, primeiro hit da dupla João Paulo & Daniel, e “Milagre da Flecha”, gravada por João Mineiro & Marciano, Milionário & José Rico, e pelo próprio compositor. Já “Verdade de Pescador”, composta para a esquete de Jeca Gay, ganhou a boca do povo com Cezar & Paulinho.
“Tenho uma meia dúzia de músicas emocionantes por razões diferentes”, sustenta Moacyr, que não esconde certa predileção pela “Balada Nº 7”, homenagem a Garrincha feita pelo compositor Alberto Luiz, que coube ao entrevistado interpretar no LP “Nosso Primeiro Amor”, de 1970. “Para quem viveu aquela época, é uma canção muito forte”, justifica. Outra de Alberto Luiz que ele não esquece é “Soleado, a Música do Céu”, de inegável misticismo.
“Isso sem falar nas românticas, que, por uma razão ou outra, acaba me lembrando de uma namorada, tive um monte de casamentos”, diz ele, pai de filhos com 76, 75, 54, 31 e 22 anos respectivamente, incluindo uma filha que é professora de literatura em Barcelona, na Espanha, e com quem conversa diariamente.
Panorama
As guarânias tocam especialmente o coração de Moacyr. “Às vezes a música é bobinha, mas tem uma letra poderosa e que fala de algo que realmente aconteceu”, declara. Ele toma como exemplo uma composição de sua lavra como “Seu Amor Ainda É Tudo”, baseada e dedicada à história de amor vivida por seu irmão com a esposa. “Ainda Ontem Chorei de Saudade” possui gênese parecida.
Quando morava na roça, em Ituiutaba, o pai de Moacyr era a única pessoa da região a possuir um rádio, o que foi definitivo em seu destino. “Lembro-me da primeira vez que escutei Tonico & Tinoco cantando ‘domingo de tardezinha eu estava mesmo à toa, convidei meus companheiro pra ir pescar na lagoa’”, recorda cantarolando trecho de “Canoeiro”.
Na sequência, ele tomou contato com o Sexteto Piratininga, que compunha valsas, antes de enveredar definitivamente pelo caminho das artes. Tudo isso o levou a compor, tempos depois, “Coisas Que Não Voltam Mais”, para Francisco Petrônio.
“Mas o que me envolveu mais com esse universo foi quando comecei a trabalhar como pintor de cinema, eu fazia os cartazes, e o musical americano me fascinou demais nesse período, aprendi a curtir desde cedo”, pontua Moacyr, que deixa um último convite antes de desligar o telefone: “Não esqueça de mandar a avó para o show!”, diverte-se.
Serviço
O quê. Espetáculo “Cantos e Contos”, com Moacyr Franco
Quando. Neste sábado (22), às 20h
Onde. Sesc Palladium (rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro)
Quanto. A partir de R$75 pelo site www.sympla.com.br