Com nome que pode soar até pouco familiar para a maioria dos mineiros, a APPA - Cultura & Patrimônio chega aos 32 anos, celebrados nesta terça-feira (4), como uma importante peça para o funcionamento das engrenagens que movem os ponteiros da cultura em Minas Gerais, ostentando números que falam por si: em 2023, despontou como uma das 15 principais captadoras de recursos por meio das leis de fomento à cultura do país, ao lado de instituições prestigiadas, como o Museu de Arte de São Paulo (MASP), o Instituto Cultural Inhotim e o Instituto Tomie Ohtake.

Aliás, se o nome soa estranho, vale frisar que a organização sem fins lucrativos está envolvida em uma série de ações já bastante conhecidas do grande público, somando, em pouco mais de três décadas de atividades, mais de 250 projetos, que captaram, via Lei Rouanet de Incentivo à Cultura, cerca de R$ 260 milhões. Agora, atenta aos bastidores da cultura, a reportagem de O TEMPO, percorre nesta reportagem o passo a passo da APPA, da sua fundação às pretensões para o futuro.

Primeiros passos

“Em 1993, a APPA surge como uma associação dos patronos do Palácio das Artes, ou seja, havia um grupo de personalidades do setor cultural e de outros setores organizados que aportavam recursos todo mês, fazendo contribuições com objetivo de dar suporte para atividades do equipamento e acelerar processos importantes para o seu funcionamento”, recorda Xavier Vieira, presidente da entidade, que prossegue detalhando como se dava esse trabalho: “Por exemplo, se vinha um maestro de fora para um concerto como convidado da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais (OSMG), era a APPA que alugava um apartamento para ele – coisa que o Estado, naquela época, com a legislação que estava em vigor, teria dificuldade de executar”. 

Xavier Vieira, presidente da APPA | Crédito: Poly Acerbi/Divulgação

Curiosamente, a organização nasceu no ano seguinte à criação da Lei Rouanet de Incentivo à Cultura, que viria a se tornar um dos principais instrumentos de fomento à cultura brasileira, promovendo o investimento de R$ 28,5 bilhões em cerca de 75 mil projetos culturais em todo o país, totalizando cerca de 4.500 projetos patrocinados por 4.600 empresas e 11 mil pessoas físicas. Apenas em 2024, o orçamento destinado aos projetos da Lei Rouanet foi de R$ 3 bilhões.

Um investimento que traz resultados. Dados da Agência Minas, por exemplo, mostram que, em setembro do ano passado, a economia da cultura gerou 360 mil empregos. Em 2023, destaca o Observatório do Itáu Cultural, o setor cultural ofertou 4% a mais de empregos, ou seja, 8 milhões em novos postos de trabalhos, o dobro da economia geral. Já um levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV) calculou que as ações via Lei Rouanet geram um retorno de R$ 1,59 a cada R$ 1 investido.

Vieira lembra que foi justamente a partir do amadurecimento e aprimoramento das leis de incentivo – só em 1999, foi regulamentada a atuação das Organizações Sociais (OS) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), o chamado Terceiro Setor, permitindo parcerias público-privadas no contexto das políticas de fomento –, que a APPA pôde ir além da finalidade original para a qual havia sido criada

Crescimento

“Começamos a criar, captar, executar e entregar projetos dentro do Palácio das Artes, geralmente em parceria com a Fundação Clóvis Salgado (FCS), que, entre outros equipamentos, gere este templo da cultura mineira. E isso acrescentou valor na nossa proposta e fez que a APPA acumulasse um portifólio invejável nesses 32 anos”, assinala Xavier Vieira, mencionando que ambas as instituições têm dezenas de montagens operísticas realizadas conjuntamente, além de dezenas de edições do Festival Internacional de Curtas - FestCurtas, e centenas de apresentações a OSMG, Coral Lírico de Minas Gerais e Cia. de Dança do Palácio das Artes.

Cena do espetáculo 'Você Perto', da Cia. de Dança Palácio das Artes, correalizado pela APPA | Crédito: Poly Acerbi/Divulgação

A experiência adquirida nesses projetos possibilitou que a APPA, então, se enveredasse na realização de projetos em parcerias com outras instituições. “Nós ampliamos esse leque de parceiros, sem nunca nos afastarmos do Palácio das Artes, que é nosso parceiro tradicional e prioritário, até por conta da relevância do equipamento, que oferta 10 atividades artísticas e culturais por dia e nos oportuniza atingir milhões de pessoas e impactar a formação artística, de profissionais e de plateias”, ressalta.

Entre as primeiras novas empreitadas, a organização correalizou mostras com a Casa Fiat de Cultura, caso da exposição “Caravaggio e seus seguidores”, de 2012, que reuniu obras deste expoente do barroco italiano do século XVI. Deu certo, e cinco anos depois, em 2017, a APPA já trabalhava com a proposta de se abrir mais. “Então, nos aproximamos da Fundação Dom Cabral e construímos o primeiro planejamento estratégico da nossa história, quando escolhemos seguir por esse caminho de maior presença no mercado e mais abrangência na atuação, inclusive em termos geográficos”, explica.

Novos horizontes

“Hoje, temos uma parceria com o Governo do Estado do Amapá, onde estamos atuando na restauração e requalificação do maior patrimônio daquele Estado, a Fortaleza de São José do Macapá, uma fortaleza portuguesa de 1770, responsável pela definição das fronteiras do cabo Norte do Brasil”, cita Xavier Vieira. “Essa estrutura militar foi tão desproporcionalmente poderosa em seu tempo, que, por conta disso, nunca entrou em combate, cumprindo sua função de repelir os ataques da Holanda, da França e Inglaterra”, acrescenta, lembrando que os ataques desses países resultaram na tomada da Guiana Francesa, Guiana Inglesa e Suriname.

A Fortaleza de São José do Macapá, edificação que data o ano de 1770, cujas obras de restauro e requalificação são realizadas pela APPA com interveniência do governo do Amapá e financiamento do BNDES | Crédito: Poly Acerbi/Divulgação

“Estamos falando, então, de uma edificação que tem uma relevância histórica, geográfica, militar e patrimonial para o Brasil inconteste, sendo candidata a Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO”, exalta, detalhando que o projeto de restauro e requalificação é financiado pelo BNDES e realizado pela APPA, com interveniência do governo do Amapá, proprietário do bem.

A entidade mineira também tem realizado projetos em Rondônia, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, além, claro, de Minas Gerais. “Estamos atualmente em três regiões, Norte, Sudeste e Centro-Oeste. E já chegamos em territórios estrangeiros”, orgulha-se o gestor.

Sou do mundo

Ao falar sobre o avanço da APPA para além dos limites nacionais, Xavier Vieira cita um projeto realizado junto ao Instituto Guimarães Rosa, setor do Itamaraty responsável pela gestão das homenagens que o Brasil recebe no mundo e pela política de diplomacia cultural do Ministério das Relações Exteriores. 

“No ano passado, entregamos, no México, uma imensa programação fazendo parte do Ano do Brasil naquele país, quando participamos do Festival Cervantino, considerado o maior festival de cultura da América Latina, que, realizado há 52 anos, recebeu cerca de 3.200 artistas na cidade histórica de Guanajuato”, exalta. 

“Para o evento, levamos 144 artistas – entre os mineiros, estava o Grupo Galpão – e montamos uma ‘Casa Brasil’, com cultura, música, oficinas de arte, palestras, debates, mesas redondas e exibição de filmes brasileiros, além de realizar um restaurante com comida brasileira, incluindo feijoada, acarajé, pão de queijo, moqueca, caipirinha…”, detalha, ressaltando que o projeto foi bem-sucedido: “Recebemos 17 mil pessoas nessa casa e conseguimos que quatro, dos dez melhores artistas do festival, fossem da nossa programação. Ou seja, nossa curadoria brilhou!”.

Cena da peça Cabaré Coragem, do Grupo Galpão, apresentada no Festival Cervantino, no México, dentro da programação organizada pela APPA em parceria com o Itamaraty | Crédito: Carlos Alvar/Divulgação

Futuro

“Atualmente, a APPA possui aproximadamente 15 projetos em execução, e diversos outros em fase de captação e prospecção”, situa o presidente da organização, que sinaliza o desejo de seguir expandindo a atuação no campo da cultura – “alcançando novos públicos e contribuindo para o desenvolvimento econômico, social e cultural de outros territórios”. 

“Mas para além disso, a APPA tem estado atenta a temas que nos cercam, e que fazem parte de uma agenda global, como as questões climáticas e ambientais, a preservação do patrimônio natural, a promoção da igualdade étnico, racial e de gênero, o desenvolvimento de projetos que priorizam a sustentabilidade e a qualidade de vida das pessoas em espaços urbanos, dentre outras questões, sem as quais não é possível avançarmos, enquanto sociedade”, complementa.

Em paralelo, a organização ressalta dispor de uma série de mecanismos internos de controle, que mitigam riscos de corrupção e conflitos de interesse em seus projetos. “Os processos são auditados por empresa de auditoria externa independente, e tem contas prestadas aos concedentes de forma tempestiva e transparente, com criterioso controle orçamentário e planejamento financeiro, sejam eles na esfera federal, estadual ou municipal”, aponta a APPA em resposta a questões enviadas pela reportagem, acrescentando ainda possuir “um setor de compliance maturado e atuante, com toda documentação que envolve políticas de conduta e anticorrupção, realizando diligências e treinamentos, e dispõe de canal de ouvidoria que usa tecnologias de inteligência artificial para tratar as denúncias da forma mais eficiente possível”.