Lançado em 1962, o poema “Não Se Mate”, de Carlos Drummond de Andrade, é o fio condutor da peça homônima que estreia hoje no Teatro II do CCBB-BH. Primeiro solo do ator Leonårdo Miggiorin, o espetáculo também inclui outros textos icônicos de Drummond – como “Poema das Sete Faces”, “E Agora José” e “Uma Pedra” – para contar a história de Carlos, um artista plástico que atravessa um momento repleto de lutos após perder a mãe, a namorada e o emprego.
“É um olhar sobre esse indivíduo, que é um personagem que está em crise. E a gente mostra como ele lida com isso numa peça que acaba sendo uma comédia dramática”, explica Miggiorin. Segundo o ator, a produção é também uma forma do espectador observar o que leva alguém a entrar em crise. “Às vezes é uma coisa externa, mas às vezes é algo que você mesmo provoca. Tem coisas que são inevitáveis, mas tem outras coisas que poderiam ser evitadas, então depende de cada um. E olhar para isso é um exercício muito interessante que o teatro possibilita, poder observar uma pessoa em crise e ver quais soluções ela busca, como ela resolve, como ela supera aquele momento na vida”, reflete.
O ator pontua que o espetáculo se constrói também como uma sátira sobre a própria crise. “O protagonista é, na verdade, um homem branco, hétero, um personagem bem-sucedido que acaba, por sua própria personalidade, pelo seu jeito de ser, perdendo vínculos, oportunidades”, conta. “Ele é um cara que eu julgo. Mas primeiro precisei acolher esse personagem, para depois julgá-lo no sentido de entender o que ele faz para estar nesse nível, por que ele lida desse jeito com as dores. É interessante esse processo do ator, porque a gente precisa acolher esse personagem e também, num segundo momento, julgar as ações dele para ter uma noção do que está acontecendo e por que o cara está naquela situação. E sempre lutar por ela até o final. Lutar pela superação, pela questão dele”, diz.
Rir da dificuldade
A produção, como o próprio nome sugere, também aborda temas difíceis e, segundo Miggiorin, é nessa questão que está o grande desafio do espetáculo: não ser leviano, mas ainda assim fazer rir. “Nosso desafio é fazer uma comédia, mas ao mesmo tempo falar de coisas sérias, de coisas profundas, de questões da alma e ontológicas para todo o ser humano. Vale mais a pena a gente enfrentar os obstáculos da vida e desse mundo ou abandonar e se largar? Essa é a pergunta da peça”.
Psicólogo de formação e atuação, Leonårdo Miggiorin também destaca a relação entre a psicologia e a arte, apontando que as duas caminham como aliadas e que contribuem muito para o seu trabalho. “Shakespeare influenciou Freud, as tragédias gregas influenciaram Freud e tantos outros profissionais. Autores da psicologia, se inspiraram na arte, porque a arte é emblemática, ela representa a vida, as emoções, ela fala dos arquétipos. Então, são duas áreas que se complementam muito na minha trajetória. Eu continuo sendo artista e serei artista para o resto da minha vida. Mas eu também sempre quis estudar o ser humano, a mente humana. Eu penso que uma coisa não anula a outra, pelo contrário, potencializa. Uma profissão potencializa a outra, porque na medida em que eu faço esse texto, essa peça, eu sei que eu estou cumprindo uma missão ali que fala sobre saúde mental, que acolhe pessoas”, acredita.
Para o ator, é inclusive esse o objetivo de “Não Se Mate”: construir um mundo mais acolhedor. “A peça não tem a missão de ser perfeita. Ela tem a missão de tocar o público, de acolher, de lembrar que não estamos sozinhos, apesar de toda correria, de toda tecnologia. Apesar do individualismo nas relações e do narcisismo em muitas relações, é possível construir um mundo de mais afetividade, um mundo com mais poesia. Por isso que a poesia do Drummond é a base para a gente pensar esse personagem, pensar este luto. Porque o Drummond está falando: o namoro acabou, o primeiro amor passou, o segundo amor passou, o terceiro amor passou, mas o coração continua. Há vida após o luto”.
Serviço:
O quê: Espetáculo “Não se Mate”, com Leonårdo Miggiorin
Quando: de sexta-feira (7) a 24 de fevereiro – sexta a segunda, às 19h
Onde: Teatro II – CCBB-BH (Praça da Liberdade)
Quanto: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia), disponíveis no site ccbb.com.br/bh e na bilheteria do CCBB-BH.