São inegáveis as referências a Federico Fellini e Bernardo Bertolucci em "Parthenope: Os Amores de Nápoles", novo trabalho do diretor italiano Paolo Sorrentino, em cartaz a partir desta quinta-feira (20) nos cinemas. Do primeiro, surge uma narrativa onírica, com a Itália surgindo com um personagem à parte, assinalando seus habitantes típicos em cenas cheias de grandiloquência e histrionice. De Bertolucci, vem logo "Beleza Roubada", lançado em 1996 como uma ode desconcertante à juventude e à beleza.
Parthenope é a neta de um armeiro italiano que propicia uma vida de grande luxo à família. Numa das primeiras cenas do filme, diante de um lindo mar azul, uma espécie de charrete antiga vinda da França chega à imponente residência localizada numa ilha de Nápoles. A personagem-título nasce em meio às águas límpidas, sob o olhar curioso do irmão Raimondo, com quem formará uma dualidade existencial, entre o arrebatamento proporcionado pela beleza feminina e a tortuosidade das limitações do homem.
É como se Parthenope fosse uma divindade, etérea e conquistadora. E Raimondo o ser humano dilacerado por dentro, como se chegasse ao mundo já com alguma fratura e que se aprofunda na presença da irmã. Parthenope, que, em grego, significa "que tem o rosto de menina", é uma sereia que estaria na origem de Nápoles. O filme não se preocupa em dar detalhes históricos, mas essa mitologia impregna a narrativa, como nas obras de Fellini, em que Roma se manifesta em cada fotograma.
Especialmente na primeira parte, a trajetória desta garota terá o mesmo efeito das sereias, com sua esfuziante beleza gerando uma ação hipnótica angustiante. Sorrentino põe os homens no mesmo papel mortal e servil dos artistas de meia-idade de "Beleza Roubada", que, numa exuberante vila da Tescana, praticamente vampirizam uma jovem virginal. Assim como neste filme, "Parthenope" também conta com um escritor de língua inglesa moribundo com quem a protagonista divide questões existenciais.
O caráter mitológico vai dando lugar ao antropológico (não por acaso, matéria que Parthenope opta por estudar na universidade) na segunda parte, com Sorrentino mergulhando na história do povo napolitano. Há una sequência muito felliniana neste momento, quando integrantes da máfia local acompanham a noite de núpcias de um casal jovem para se certificarem da concretização dos novos laços criados (provavelmente uma referência ao papel da cidade no estabelecimento da Itália unificada).
Sorrentino sabiamente não se restringe ao canto da sereia de Parthenope e acompanhamos a transformação dela, a partir da crítica à própria sociedade. Como em "La Dolce Vita", de Fellini, expõe a sua decadência e superficialidade, manifestada num evento emoldurado pela presença de uma estrela de cinema nascida da cidade que, em seu discurso, ataca impiedosamente o provincianismo do lugar, gerando mal-estar. Parthenope parte em busca de conhecimento, sem moralismos, percebendo os monstros interiores de cada um.