Quando se mudou de Belo Horizonte para Diamantina, na região do Vale do Jequitinhonha, Vanessa Maia conviveu, primeiro, com um angustiante silêncio. “Era 2020. Pouco tempo depois da mudança, veio a pandemia (da Covid-19) e todo aquele período difícil, de isolamento social, sem atividades públicas coletivas”, relembra. Um ano e meio depois, tudo mudou. Com a crise sanitária controlada, a aridez sonora foi sendo preenchida por música, muita música. Tanto que a produtora cultural passou a acreditar em uma certa mística local, que reforçava a tese – defendida por pesquisadores como Wander Conceição – de que a batida da bossa nova tenha sido criada naquele lugar, quando João Gilberto passou uma temporada na casa de uma irmã.

Fazia sentido, pois a musicalidade parecia inerente ao território, com acordes que se espalhavam das vielas aos principais palcos da cidade histórica, abarcando diversos formatos e gêneros diversos, do clássico ao popular, do acústico ao eletrônico. E, em meio a essa pujante ambiência musical, Vanessa se deu conta que Diamantina, mais que outros lugares por onde passou, acolhia e prestigiava as composições autorais.

Foi a partir desse conjunto de observações que a produtora cultural viu crescer, em si, o desejo de documentar a riqueza sonora com que, encantada, passou a conviver diariamente. Algum tempo depois, durante uma passagem por BH, confidenciou ao amigo Leandro Miranda sobre o projeto que tinha em mente. Estava plantada a semente, que logo germinaria na forma de um documentário, o filme “Diamantina Musical”, que estreia na capital mineira, no Cine Santa Tereza, na noite desta quarta-feira (19).

“Registramos, nesse longa, uma pontinha da musicalidade da cidade, que é imensa e envolve diversas manifestações culturais, como as tradicionais folias de reis, serestas e vesperatas, além da Orquestra Sinfônica Jovem de Diamantina”, explica a idealizadora, detalhando que a obra se concentra no núcleo dos músicos que são compositores autorais. No total, 22 participam do filme. “Eu e o Pedro Murta, que também é músico, fizemos essa curadoria, privilegiando aqueles que já estão mostrando suas composições em apresentações ao vivo”, menciona.

Filmagens duraram 10 dias

Curiosamente, o diretor do documentário, Leandro Miranda, só foi conhecer Diamantina já no desenrolar dos trabalhos, realizados ao longo de um ano. Morador de Belo Horizonte, ele ainda não havia visitado lugar quando foi fisgado para o projeto ao ouvir a história de que a batida da bossa nova teria sido criada no lugar. “Fiquei com aquilo na cabeça e topei fazer”, lembra, sustentando que seu olhar de descobrimento para a cidade foi importante para emprestar frescor à produção.

A obra, realizada com recursos da Lei Paulo Gustavo de 2024, geridos pelo município de Diamantina, foi filmada sem demora. “Tínhamos poucos recursos, então investimos muito em pré-produção. Então, fiquei uma semana na cidade, quando conheci todos os músicos que iriam participar. E aproveitei a estadia para escolher bem cada locação. Depois, voltamos e filmamos tudo em dez dias”, descreve.

A conclusão do realizador de cinema é que, realmente, há algo de especial naquele chão. “No filme, a gente mostra esses sintomas, mas a pergunta inicial, o porquê, cada um descobre à sua maneira, pois são muitos os motivos que podem ter contribuído para essa vocação, como a própria tradição musical da Igreja Católica, historicamente presente na cidade, a existência de um conservatório de música, criado em 1951 por incentivo do (então governador de Minas Gerais) Juscelino Kubitschek, além do próprio clima da cidade, em relação à paisagem urbana, com os casarios históricos, e à própria natureza da região”, opina.

Vanessa não só concorda como, durante o processo de produção do longa, coletou curiosidades que reforçam a tese de que a música exerce uma espécie de força gravitacional sobre os diamantinenses – os nascidos e os recém-chegados. “Tem artista que sai do Rio de Janeiro e vem compor sua primeira música aqui, como a Jéssica Gaspar. E existe um clima que é convidativo a esse processo criativo, que faz dele algo do dia a dia, do próprio convívio que vai se criando. Por exemplo, se você sair em uma segunda-feira, que é normalmente um dia de descanso para os trabalhadores da cultura, certamente vai encontrar o Malter Ramos tocando e curtindo com seus amigos”, situa.

Sucesso e expectativa

Com 55 minutos, “Diamantina Musical” já foi exibido em duas ocasiões na cidade histórica sobre a qual se debruça. A primeira vez, em pré-estreia, foi no ano passado. “Foi um sucesso! Fizemos inicialmente uma sessão para convidados e para os músicos que participaram das filmagens. Todo mundo ficou encantado”, relata Vanessa. 

Artistas que protagonizam o longa 'Diamantina Musical' se apresentaram durante sessão de estreia na cidade histórica
Artistas que protagonizam o longa 'Diamantina Musical' se apresentaram durante sessão de estreia na cidade histórica | Crédito: Ana Giulia Ribeiro/Divulgação

Outra exibição, aberta ao público, foi realizada no aniversário do município, no dia 6 de março, com direito a um atrativo bônus: “O evento foi acompanhado de um espetáculo, onde 14 dos músicos que protagonizam o filme apresentaram suas canções acompanhados de uma banda, a Diamantina Musical, que montamos para esse projeto”. Ela complementa que o show e a sessão inaugural ocorreram na rua da Quitanda, tradicional palco das vesperatas. “Para muitos desses artistas, era a primeira vez nesse espaço tão importante para a cidade”, ressalta.

Agora, a julgar pela procura por ingressos para a estreia em BH, o sucesso de audiência deve se repetir. “Antes mesmo de começar a divulgação, os bilhetes disponibilizados no Sympla já se esgotaram. Ficaram só as entradas que vamos distribuir presencialmente, meia hora antes da exibição”, relata Vanessa, cheia de expectativas e já fazendo novos planos. “O novo desafio, para o segundo semestre, vai ser levar a banda e os músicos para uma apresentação em Belo Horizonte”, garante.

SERVIÇO:
O quê. Estreia do documentário ‘Diamantina Musical’
Quando. Nesta quarta-feira (19), às 19h
Onde. Cine Santa Tereza (rua Estrela do Sul, 89, Santa Tereza)
Quanto. Gratuito. Ingressos serão distribuídos 30 minutos antes da sessão.