Na pele de um homem que precisa se passar por mulher para se manter no emprego e garantir o pagamento da pensão do filho, Leandro Hassum chegou a ficar três horas se preparando, na sala de figurino e maquiagem, antes de entrar no set de “Uma Advogada Brilhante”, que estreia hoje nos cinemas. “É muito trabalhoso, né? Não é só um homem fantasiado de mulher, que hoje em dia nem é mais utilizado para ir num bloco ou para fazer uma esquete de humor, como já aconteceu de eu fazer”, assinala o comediante, em papo virtual com a reportagem de O TEMPO.
“É o meu primeiro personagem em que realmente tenho que viver uma mulher, um homem vivendo uma mulher. E, por mais que seja uma mulher convincente, é preciso acrescentar humor a isso tudo. Obviamente tem a caricatura, porque eu sou um ator de comédia caricata, mas ao mesmo tempo a gente tinha que passar credibilidade, já que, para as pessoas que estavam envolvidas na trama, não era um homem. Além de tudo, o tempo todo respeitando esse lugar da mulher, que, no trabalho, é muitas vezes tratada de forma diferente em relação aos homens”, registra.
Em busca dessa equação, as piadas (muitas delas improvisadas pelo ator no momento das filmagens) passaram por um grande filtro interno, com o cuidado para não esbarrar em certos limites e desrespeitar o universo feminino. “É um lugar que, ao mesmo tempo, é muito gostoso, como ator, por você poder passear por vários universos; e também é como andar num chão cheio de caco de vidro, em que você tem que prestar atenção aonde vai pisar, porque às vezes a piada passa pela sua cabeça, mas você não pode usar daquela forma”, comenta Leandro Hassum.
Neste sentido, ele contou com a preciosa colaboração de Ale McHaddo, diretora que, após a sua transição, foi vítima de misoginia. Ela revela um “vício” que o espectador mais velho vai logo perceber, com várias referências a “Tootsie” (1985) e “Uma Babá Quase Perfeita” (1992), filmes que também mostram homens travestidos pela força da necessidade. “Eu tenho certo vício de usar referências, de brincar com o que foi importante para mim no cinema”, destaca Ale, que veio do universo da animação, tendo feito a série “Osmar, a Primeira Fatia do Pão de Forma”.
“Eu gosto de pegar essa cinematografia que foi importante para a minha construção e devolver do meu jeito. Eu acho que funciona como piada. Mesmo que a pessoa não tenha a referência, a gente pode aproveitar aquilo lá e repetir, dando um sotaque brasileiro. Na verdade eu uso de uma forma mais rebuscada”, explica. Ale também cita “As Branquelas” (2008), um “black face” ao contrário, em que policiais negros se passam por socialites brancas. “Ele funcionou muito no Brasil, mais do que nos próprios Estados Unidos”, pontua a cineasta.
“A Ale me ganhou falando justamente sobre ‘Tootsie’, que é uma referência minha também, da minha geração. E ‘Uma Babá Quase Perfeita’, que tem o Robin Williams como ator. Sou fanático pelos trabalhos dele. Tudo isso foi me conquistando, me trazendo para dentro dessa história. O que é importante para mim é que o personagem tenha uma missão, um porquê de estar fazendo aquilo. Não é gratuito que ele se vestiu de mulher. Então, quando você consegue achar um herói dentro desse personagem, tira um pouco dessa vilania de um cara que está só se aproveitando disso (para ficar no emprego)”, destaca Leandro Hassum.
Próximo filme será um pornô?
Após se consagrar na animação, Ale McHaddo começou a fazer filmes em live-action, a partir de 2018, tendo Hassum como parceiro em todos eles – “O Amor Dá Trabalho” (2019), “Amor sem Medida” (2021) e “Meu Cunhado é um Vampiro” (2023). “Comecei a dirigir por conta de uma ideia do Lelê. Eu o chamei para fazer um filme, ele topou, e aí a gente estava discutindo quem faria a direção. Então o Leandro falou: ‘Não, dirige você!’. E, de fato, eu estou nisso por conta dele”, aponta.
A passagem para o live-action não impediu que a cineasta se valesse de ingredientes tipicamente cartunescos. Em “Amor Dá Trabalho”, por exemplo, um cofre cai sobre a cabeça do personagem de Hassum. “Por ela vir desse lugar, o filme tinha muita referência de animação. Aí um dia eu falei assim: ‘Ale, olha só, isso aqui é bom, mas é só a galera que vai na CCXP (convenção brasileira voltada para lançamentos de jogos eletrônicos, HQs, filmes e séries) que vai rir’. E aí ela concordou e tal. Mas ela tem muito essa pegada”, analisa Hassum.
“Nessa coisa do humor, o próprio Jerry Lewis era um ator que puxava da animação. Ele pegava coisa do Pernalonga e trazia para o acting. Isso também explica o porquê de eu dirigir tanto com o Lelê. Ele é um cara que consegue ter humor físico suficiente para criar o que a gente faria na animação”, salienta Ale. “Muito pornô que eu fiz, né?”, completa Hassum, ao explicar, em tom de brincadeira, a razão de sua expressividade cômica mais física.
“A gente não fez ainda, mas vai fazer”, entra a diretora na brincadeira. “A gente está discutindo isso. (Será o) próximo projeto. Se você achou que ele estava, digamos, num momento constrangedor em ‘Advogada’, espera para ver”, antecipa Ale. “Andressa Buraco, agora o negócio será mais embaixo. Péssima piada, desculpa. Esse tipo de piada não tem no filme”, corrige Hassum. “(Mas) foi boa, foi boa”, aprova Ale, com os dois garantindo risadas até de quem estava atrás das câmeras.