Quem conversa com a atriz Isis Valverde, 38, pode até se lembrar da Marcela de “Ti Ti Ti”, da Suellen de “Avenida Brasil” ou da pantera Angela Diniz, a quem ela deu vida em “Angela”. O que certamente não vem à mente é Maria Bonita, a cangaceira mais famosa da história do Brasil, morta em 1938. Pois é como a companheira de Lampião que Isis Valverde revela toda a sua versatilidade.

Auxiliada pela caracterização e pelo figurino e energizada pela brutalidade do sertão onde a personagem histórica viveu, Isis Valverde oscila entre a emoção contida e a paixão visceral em “Maria e o Cangaço”. A série de seis episódios, que estreia nesta sexta-feira, dia 4, no Disney+, é livremente inspirada no livro “Maria Bonita: Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço”, de Adriana Negreiros.

A pesquisadora resgata a violência a que os cangaceiros submetiam as mulheres que acompanhavam o grupo e joga luz sobre a personalidade forte de Maria de Déa, que fugiu de um casamento arranjado com um homem violento para levar uma vida nômade e fora da lei com Virgulino Ferreira, o Lampião. O Capitão, como também era conhecido, era violento e sanguinário, inspirando terror por onde passava – menos com Maria, que a seu lado aplicava as regras implacáveis do cangaço mascaradas de justiça social. 

Irreconhecível até para si mesma diante do espelho, a atriz mineira conta como o processo de construção da personagem foi fisicamente exigente. “O peso das roupas, o calor, aquele lugar inóspito, muito selvagem, tudo pinicava, foi difícil, até você aprender a lidar com aquilo”, relembra.

Para Júlio Andrade, 48, na pele de Lampião, não foi fácil aprender a montar, especialmente considerando que o personagem passa boa parte do tempo no lombo de um cavalo. Mas a violência também cobrou seu preço. “Às vezes acabava uma cena e eu ficava lá... tinha que buscar a alma”.

Os dois adotaram abordagens diferentes para se aproximar de seus respectivos personagens. “Eu revi filmes que já foram feitos, com atores genais que admiro muito”, conta Júlio, citando Nelson Xavier, Luis Carlos Vasconcelos e Irandhir Santos. Já Isis Valverde se apegou ao livro de Adriana Negreiros, que “carregava debaixo do braço o tempo todo”, à leitura e ao estudo. “Eu não quis rever histórias já contadas. Vi muitos vídeos dos cangaceiros reais e das famílias deles. Teve um em que um neto dizia: ‘Mas, vó, eu não sabia que você era cangaceira’”, relata. A atriz também percorreu os locais reais por onde o grupo de Lampião andava, guiada por um pesquisador do cangaço.

Essa conexão com a terra e a história ajudou a artista a administrar as emoções no decorrer do trabalho. Apesar da dificuldade com a violência, Isis encontrou o caminho para revelar, na cangaceira, uma vulnerabilidade do feminino que muitas vezes era impossível de conter.

Frio na barriga

À primeira vista a imagem de Isis Valverde “não combina” com a de Maria Bonita. Mas, ao fim dos seis episódios, o que fica – além da fotografia impressionante e da aridez do sertão – são os olhos marejados de lágrimas que resistem a escorrer pela pele suja, o passo firme e o grito de uma mulher dividida entre a ânsia pela liberdade e companheirismo que o cangaço lhe proporcionava e o sonho de formar, com Lampião e a filha Expedita, uma família convencional.

Se ela teve medo da dimensão desse papel? “Medo eu tenho desde o dia que saí de casa lá em Aiuruoca (no Sul de Minas) falando porrrta, porrrteira e porrrtão”, brinca. O frio na barriga que ela, sorrindo, conta ter sentido passou à medida em que a mineira que falava “porrrta” se transforma na mulher que manda “arribá” e chama de “meu véio” o homem mais temido do país.

Pra maratonar

“Maria e o Cangaço”
Onde: Disney+
Quando: estreia dia 4 de abril
Quantos episódios: seis
Livro que deu origem à série: “Maria Bonita: Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço”, de Adriana Negreiros
Elenco: Isis Valverde, Júlio Andrade, Rômulo Braga, Mohana Uchôa, Clebia Sousa, Thainá Duarte, Geyson Luiz, Dan Ferreira, Jorge Paz, Chandelly Braz
Direção geral: Sérgio Machado