Neste ano, a escolha do lugar para celebrar o aniversário de 32 anos soou um tanto óbvia para Jéssica Moreira. Com a celebração caindo em uma segunda-feira, a psicóloga abraçou a possibilidade de reunir amigos em um evento cultural de Belo Horizonte, o Samba do Arco, realizado tradicionalmente no primeiro dia útil da semana, debaixo do Viaduto Santa Tereza.

Para Jéssica, cair no samba virou rotina há uns bons anos. “É o berço que me acolhe”, garante ela, que atribui à BH a descoberta dessa paixão. Para ela, que já viveu em outras cidades do interior de Minas, a capital convida a uma vida cultural mais intensa – mesmo que, para isso, precise andar, ir por aí a procurar. Para a celebração do seu aniversário, por exemplo, ela precisou se deslocar do bairro Padre Eustáquio, na região noroeste, para hipercentro belo-horizontino.

Os apontamentos da psicóloga sobre um convidativo horizonte cultural em BH são ratificados pelos achados da terceira rodada da pesquisa Cultura nas Capitais, desenvolvida pela JLeiva Cultura & Esporte, que voltou a medir os hábitos culturais das populações de todas as capitais brasileiras e do Distrito Federal, além de mensurar, pela primeira vez, a relação dos moradores com a cultura dos territórios que habitam.

Em uma leitura geral, Belo Horizonte se saiu bem no raio-x apresentado pelo estudo. É o que ressalta o pesquisador e consultor João Leiva, que coordenou a pesquisa. Ele destaca que a cidade tem, em média, ótimos números, que se aproximam, sempre dentro da margem de erro, da média nacional. Geralmente, aliás, os indicadores ficam acima da média brasileira, com destaque para os tópicos teatro, museus e concertos.

O bom desempenho é celebrado pela secretária municipal de Cultura de BH, Eliane Parreiras, que ressalta a positiva percepção sobre a cultura entre os moradores da capital mineira: conforme o levantamento, 86% consideram essas atividades essenciais para a própria vida e bem-estar e 82% acreditam que o governo deve dar atenção prioritária ao setor e investir no segmento artístico-cultural. “Essa constatação me deu um baita estímulo para continuar trabalhando pela nossa cultura”, garante.

Quase metade da população vai a eventos musicais

Paixão de Jéssica Moreira, as rodas de samba integram duas categorias que atraem um significativo contingente populacional em BH: os shows, que mobilizaram 45% dos entrevistados nos 12 meses anteriores à pesquisa, e as festas populares, frequentadas por 34% das pessoas consultadas. E há espaço para crescimento.

Na Virada Cultural de 2024, público enfrentou o sol para acompanhar apresentações em palco dedicado ao samba | Crédito: Fred Magno/O Tempo

Quando questionados pelos pesquisadores da JLeiva Cultura & Esporte, muitos daqueles que não foram a esses eventos deram notas de 8 a 10 para seu interesse na atividade. Entre os que não foram a shows, 22% disse que gostaria de ter ido e, entre os que não frequentaram festas populares, 20% admitiu que desejava frequentar.

“Em geral, olhando esse público potencial, observamos existir margem de crescimento de no mínimo 50% em muitas atividades. Para além da música, em BH, dança e teatro, por exemplo, tem potencial de dobrar suas plateias, considerando esse forte desejo manifestado pelas pessoas ouvidas de ir a espetáculos assim”, assinala João Leiva.

Mais que espectadores

Na capital mineira, não é incomum que os moradores transitem entre o lugar de audiência e o de realizador cultural: conforme a pesquisa liderada por João Leiva, 39% das pessoas que vivem na cidade está ativamente empenhada em atividades artísticas-culturais – seja profissionalmente ou como passatempo. Entre as que mais atraem a população de BH estão a dança, o teatro e a música, respectivamente.

Atento ao desejo dos moradores de BH de realizar atividades culturais, o coreógrafo Evandro Passos realizou uma oficina de dança durante a Virada Cultural, em 2024 | Crédito: Fred Magno/O Tempo

Esse movimento, de espectador a fazedor de cultura, foi experimentado por Fábio Augusto neste ano. Ele, que se mudou para BH em 2009, vindo Cáceres, no Mato Grosso, conta que, durante o Carnaval, pela primeira vez, se sentiu à vontade e pôs a mão na massa. Ou melhor, no tambor, engrossando as fileiras da bateria de um bloco de rua. “Eu transcendi! Nunca havia me sentido daquela maneira. Foi incrível!”, exalta o morador, que, agora, pretende mergulhar de cabeça no universo da percussão.

“Além de medir se as pessoas estão indo a eventos e atividades como espectadoras, nós questionamos se elas fazem algo relacionado à cultura. E o que descobrimos foi que, em BH, o volume de indivíduos envolvidos com essas atividades é maior do que em outras capitais”, expõe João Leiva, destacando que o dado é especialmente importante considerando que, estatisticamente, quem teve oportunidade de se iniciar em afazeres culturais tem mais chances de acessar o universo da cultura na comparação com quem nunca teve essa oportunidade.

Vocação literária

O relatório Cultura nas Capitais também apresenta dados sobre os hábitos de leitura dos moradores de BH, identificando que 61% leram ao menos um livro nos 12 meses anteriores à participação na pesquisa – índice que faz o consumo de livros despontar como principal hábito cultural registrado na cidade.

Fachada da Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais, na Praça da Liberdade, em 2023 | Crédito: Flávio Tavares/O Tempo

“Isso não me surpreende. BH está entre as cidades mais literárias do país. Sempre foi assim. Então, esses números, para mim, já eram esperados”, reflete o gestor cultural, escritor e jornalista Afonso Borges, idealizador e diretor do Sempre Um Papo, programa de incentivo ao hábito da leitura que, desde 1986, promove debates informais associados a lançamentos de livros.

“Há quase 40 anos fazendo o Sempre Um Papo, com mais de 7.000 eventos realizados, posso dizer que todos os grandes autores contemporâneos estiveram aqui para lançar seus livros. E o que percebo é que Belo Horizonte é vista como um lugar que esses autores valorizam, porque encontram muitos leitores aqui. Tanto que, no meio editorial, não se pergunta se um novo livro vai ser lançado na cidade, mas quando vai ser lançado”, enfatiza.

Eliane Parreiras faz análise semelhante. “Temos uma tradição histórica neste campo, o que faz que a cidade tenha essa vocação literária”, argumenta, citando que vários fatores correm em paralelo para manter viva essa cultura leitora.

“Há os clubes de livros, os eventos literários, os programas de incentivo. E há também uma atuação muito forte da Secretaria Municipal de Educação, que trabalha para a formação de leitores dentro das escolas e mantém, há décadas, políticas continuadas como o ‘kit literário’”, avalia, fazendo menção ao programa que visa a ampliação do processo de leitura e alfabetização por parte dos educandos da rede municipal de educação, oferecendo aos estudantes e seus familiares a possibilidade de formação de um acervo pessoal, potencializando a criação de um ambiente familiar de leitura e estreitamento do contato com os livros desde a mais tenra idade.

Veja mais dados mensurados pela pesquisa Cultura nas Capitais:

Museus e centros culturais estão no radar

  • Em BH, quase metade da população (40%) vai a um museu motivada por aprender e adquirir mais conhecimento;
  • Destes espaços, o CCBB-BH foi o equipamento mais lembrado quando a pergunta era sobre o último museu ou exposição visitado. Lugar foi citado por 23% dos entrevistados;
  • Já o Palácio das Artes e o Conjunto Moderno da Pampulha aparecem como espaços vistados pelo maior número de moradores de BH: respectivamente, 69% e 63% das pessoas que vivem na capital já foram a estes locais. Sesc Palladium, CCBB-BH e Inhotim aparecem em seguida, citados por 38%, 36% e 35% dos entrevistados;

Consumo online cresce

  • Quando o assunto é audiovisual, o streaming é a principal forma de consumir filmes e séries, fazendo parte da realidade de 53% dos habitantes de BH. Na sequência vem a TV por assinatura e a TV aberta, com 40% e 39%, respectivamente;
  • Por outro lado, o número de moradores de BH que comparece a salas de cinema caiu 13 pontos percentuais em relação a 2014. À época, esse índice era de 60%, chegando a 64% em 2017. Agora, essa taxa caiu para 47%.
  • Já para ouvir música, o celular impera como principal dispositivo, sendo usado por 84% dos participantes;
  • Presencialmente, 55% dos entrevistados não foram a shows nos 12 meses anteriores à pesquisa, mas uma fatia importante (22%) deu notas de 8 a 10 para seu interesse na atividade. Ou seja, esse grupo não foi, mas gostaria muito de ter ido a apresentações musicais ao vivo, sendo tratado como um público em potencial.

Carnavalescos e juninos

  • O Carnaval é o evento belo-horizontino considerado mais importante pelos moradores, sendo mencionado por 19% dos entrevistados;
  • Apesar do reconhecimento, a folia não lidera entre os eventos mais frequentados por quem vive na capital: citado por 21% dos ouvidos, o evento ficou atrás das festas juninas, que atraem 26% dos participantes do estudo.