“Belo Horizonte é uma cidade dada à literatura”, crava Rosana de Mont’Alverne, que está para lá de ambientada no universo livreiro: editora da independente Aletria, ela é também diretora de eventos da Liga Brasileira de Editoras (Libre) que, há 22 anos, promove a “Primavera dos Livros” em capitais do país. Em BH, a partir desta terça-feira (13 de maio), a iniciativa chega a sua quinta edição e, desta vez, em boa companhia. Ocorre que, de forma inédita, o evento é realizado conjuntamente a outro projeto literário, o “Bitita: Festa da Palavra”, que, idealizado pela gestora cultural Luciana Salles, debuta na cidade voltando a fazer da praça da Liberdade, e dos espaços no seu entorno, um palco para as diversas formas de expressão das palavras.
Esta, aliás, não é a primeira vez que Rosana e Luciana trabalham juntas: há cerca de dez anos, elas foram parceiras na realização do Circuito Literário Praça da Liberdade. Agora, a renovação desses esforços conjuntos surge por sugestão da produtora cultural Juliana Flores, nome por trás de projetos como a Festa da Luz. Conhecendo ambas as iniciativas, ela vislumbrou a possibilidade de que acontecessem em um mesmo momento, de maneira paralela e complementar. Sugestão que, de pronto, foi acolhida pelas coordenadoras da “Primavera” e da “Bitita”, cuja programação conjunta se estende até domingo (18), ocupando espaços como a praça da Liberdade, a Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais, o Centro Cultural Banco do Brasil - Belo Horizonte (CCBB-BH), a Academia Mineira de Letras (AML) e o Palácio da Liberdade.
“As propostas realmente se encaixam. A Luciana havia pensado em uma festa da palavra, entrando com essa parte da expressão da palavra em várias modalidades: projetada em prédios, recitada em versos, defendida em slams ou debatida em mesas-redondas. Enquanto isso, eu entro com a proposta da feira, reunindo editores e escritores, realizando lançamentos e apresentações de contações de histórias (a Aletria é também uma plataforma de literatura oral)”, analisa Rosana.
Entre as atividades, há mesas de debate, oficinas, saraus, exposições, sessões de contação de histórias, lançamentos de livros, homenagens, performances teatrais, exibição de filmes e visitas escolares para professores e estudantes da rede pública e privada. Entre os convidados, estão editores, escritores, poetas, livreiros, e artistas da cena literária de seis Estados brasileiros e do Distrito Federal, incluindo nomes como Jacyntho Lins Brandão, Caetano Galindo, Antonieta Cunha, Maria Mazzarelo Rodrigues e José Castilho Marques Neto.
“Entendemos que, neste formato, vamos entregar para a cidade um projeto mais potente, que trabalha em eixos que se complementam, e, além disso, os dois projetos contam com o mesmo patrocinador: a Cemig, por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais (a ‘Primavera dos Livros BH’ também conta com o patrocínio do MaterDei, via Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte)”, completa Luciana, que tem ampla experiência na área da gestão cultural. Ela inclusive já atuou, por quatro anos, na coordenação do Circuito Liberdade. E foi durante esse período que pôde conhecer um estudo que apontava para um grande potencial para a realização de eventos de literatura no contexto desse ecossistema cultural, turístico e educacional.
Não por acaso, sob sua liderança, foram realizados o Circuito Literário Praça da Liberdade, em 2014, quando trabalhou pela primeira vez com Rosana, e o Circuito das Letras, em 2016. As iniciativas, porém, foram descontinuadas. “Eu sempre achei que tinha ficado uma lacuna, então, entrei em contato com a Fundação Clóvis Salgado (FCS, atual gestora do Circuito Liberdade) para falar do meu desejo de voltar a realizar um projeto de literatura na praça da Liberdade, em parceria com espaços que integram esse ecossistema”, lembra, celebrando o apoio que encontrou nessas conversas.
A experiência com as realizações anteriores, claro, ajuda. Mas, com a “Bitita: Festa das Letras”, o processo é bem outro. “Se, daquela vez, cada equipamento gerava sua própria programação, desta, por ser uma iniciativa externa, somos nós que geramos o programa, cabendo aos espaços acolhê-lo”, conta.
Homenagem
Originalmente, conta Luciana Salles, a ideia era que o projeto fosse lançado no ano passado, junto às celebrações pelos 70 anos da Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais.
“Em conversa com o então diretor, Lucas Amorim, pensamos em fazer em homenagem à Carolina Maria de Jesus (Bitita era o apelido de infância da escritora, que ganhou tributos na programação especial pelo aniversário da biblioteca em 2024). Mas, por uma série de fatores, o evento só pôde ser realizado agora, com o preito mantido, porque a ideia é homenageá-la de forma vitalícia”, comenta, antecipando que tem, sim, o desejo de continuar realizando o evento periodicamente – sendo mantido o nome que, afetuosamente, lembra a autora de “Quarto de Despejo: Diário de uma favelada”, publicado originalmente em 1960.
“A gente traz toda a discussão literária para o entorno da Carolina Maria de Jesus a partir de uma série de decisões da nossa curadoria, formada integralmente por pessoas de BH, que tiveram a missão de pensar uma programação cuidadosa, inclusiva, diversa”, assinala Luciana, citando que, sob a coordenação curatorial da Fabíola Farias, além da própria, o evento reúne os curadores Anna Flávia Dias Salles, Rogério Coelho e Rosália Diogo.
A produtora, inclusive, destaca como as atrações que marcam a abertura do evento sintetizam bem a proposta geral da festa: abrindo as atividades, às 18h, na Biblioteca Pública Estadual de MG, é apresentada a narração artística “Uma rainha chamada Carolina Maria de Jesus”, com Madu Costa acompanhada dos músicos Babu Xavier e Tininho Silva; em seguida, é feita uma homenageada a Mazza editora, pioneira na publicação de autorias negras; e, para encerrar, às 19h, a atriz Carlandreia Ribeiro e o escritor e crítico literário Tom Farias, sob a mediação da doutora em educação Yone Gonzaga, se reúnem na mesa “Carolina Maria de Jesus: movências de uma mulher que não silenciou”.
Gostinho de primeira vez
Assim como Luciana Salles, que apesar da longa experiência, experimenta um gostinho de primeira vez com a realização da “Bitita: Festa das Letras”, Rosana de Mont’Alverne também curte uma sensação de estreia, mesmo que esta seja a quinta edição belo-horizontina da “Primavera dos Livros”.
“As quatro anteriores foram produzidas pela Juliana Flores, minha filha, que era minha sócia na Editora Aletria, mas, há sete anos, se afasta para abrir a própria empresa (a Pública, que realiza eventos com foco em arte pública, que pode ser acessada fora das galerias, ao transitar pelas cidades)”, contextualiza, indicando que, agora, o projeto volta a ser realizado após um hiato em função da pandemia da Covid-19, e, pela primeira vez, sob sua integral coordenação.
Rosana detalha que a iniciativa congrega diversos atores ligados à Liga Brasileira de Editores (Libre) e realizada em diversas cidades do país – no Rio de Janeiro, por exemplo, a Primavera dos Livros já superou a marca de 20 edições concluídas.
A longevidade, diga-se, não pode ser lida como sinônimo de facilidade, como se o evento fosse facilmente colocado de pé. Ao contrário. “É uma luta. Não é simples realizar uma ação assim, principalmente da forma como fazemos, com tudo na praça, ao ar livre e gratuito”, pondera a produtora, que celebra a parceria com as editoras independentes da Libre.
“Como somos uma comunidade que capricha muito nas nossas publicações, sabemos que o público não vai se decepcionar e que não vai ter, por ali, aquele ‘junkie food literário’, que é como chamo essa literatura que não tem sustância”, brinca, exaltando, ainda, que o evento seja uma janela importante para esses editores, cuja produção por vezes não chega às grandes livrarias. “Então, são estes os momentos que temos para mostrar o que estamos fazendo”, defende.
“Quem for, além de ter a tranquilidade de encontrar coisas boas, vai entrar em contato diretamente com os editores, que ficam em suas bancas, e com os autores, porque teremos muitos lançamentos. A minha editora, a Aletria, por exemplo, vai fazer seis”, antecipa Rosana. “E teremos muitos contadores de histórias vindos de todo Brasil”, acrescenta, sinalizando que um dos destaques da programação são as mesas realizadas no CCBB BH em celebração ao Dia do Editor, que trazem questões sobre o ofício, o mercado e outros temas, como a acessibilidade.
SERVIÇO:
O quê. 5ª Primavera dos Livros BH e 1ª Bitita: Festa da Palavra
Quando. A partir desta terça-feira (13), às 18h; até domingo (18).
Onde. Na praça da Liberdade e outros espaços do Circuito Liberdade
Quanto. Gratuito. Programação completa nas redes sociais @primaveradoslivrosbh e @bititafestadapalavra.