É a partir do paradoxo proposto pelo filósofo argelino Jacques Derrida (1930-2004) no livro “O Monolinguismo do Outro” que o presidente da Academia Mineira de Letras, Jacyntho Lins Brandão, aponta tanto a primeira semelhança quanto a primordial diferença entre os autores convidados para o 1º Colóquio Internacional Diásporas da Língua Portuguesa, que acontece desta quinta (8) a sábado na capital mineira.
“Todos escrevem senão na mesma língua. Nenhum deles escreve na mesma língua”, provoca Jacyntho, antes de esclarecer seu ponto. “Nós temos a ilusão de que falamos uma só língua, mas cada um de nós usa seu idioleto e seu dialeto, que mudam nas variadas situações de uso, mais ou menos informais. A língua é algo vivo e em constante mutação. Cada vez que a falamos a estamos modificando. Essa é sua beleza”, exalta.
O evento, que pretende discutir “desde os impactos da diáspora negra e dos povos indígenas, até a presença da língua portuguesa em contextos atlânticos e contemporâneos” terá três dias de palestras, mesas-redondas e debates com figuras proeminentes da área, com direito a transmissões ao vivo pelas redes sociais, como Augusto Ernesto Santos Silva, ex-presidente da Assembleia da República Portuguesa e professor da Universidade do Porto, o poeta e tradutor Paulo Henriques Britto, a escritora Conceição Evaristo, o músico Makely Ka e as pesquisadoras Bruna Franchetto e Luísa Buarque de Holanda.
“Na semana de comemoração da língua portuguesa o Colóquio, ao enfocar sua diáspora, pretende ressaltar a diversidade”, salienta Jacyntho, que opta, logo na sequência, por um dizer “de forma bem concreta”. “Há um Dia Internacional da Língua Portuguesa, 5 de maio, reconhecido pela Unesco, só porque se trata de uma língua espalhada por quatro continentes. E uma língua sendo instrumento de coesão termina por ter um papel importante como força propulsora de entendimento, de paz e compreensão”, assinala.
Ele ressalta, todavia, que “integração talvez não seja a palavra adequada” para descrever a iniciativa. “Pois faz supor a eliminação da diferença. O importante é cada qual usar a mesma língua a seu modo, sem abrir mão daquilo que nela põe, daquilo que com ela faz. Por isso o Colóquio propõe o desafio de pensar o português de uma perspectiva descolonial. Para tanto é necessário conhecimento mútuo e desierarquizado, ao contrário de nos processos coloniais em que o centro, a metrópole, exerce papel de integração. O espaço do português no mundo é fragmentado, descentrado, esse é o seu trunfo”, diz.
Diáspora
A recente valorização da literatura africana no Brasil, impulsionada por uma lei sancionada pelo presidente Lula ainda em 2003, durante seu primeiro mandato, e que tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na educação básica, é uma das premissas do Colóquio. Nesse sentido, de acordo com Jacyntho, “são dois pontos a considerar”.
“O primeiro, o aumento da difusão das obras de autores africanos que escrevem em português entre nós, como as de Paulina Chiziane e Mia Couto. Isso é muito bom e pode ser comparado ao que aconteceu nos anos 1960 e 1970 com relação à literatura latino-americana. Outro aspecto depende da escola, com a inclusão de conteúdos sobre a África, sua cultura e literatura, o que permite lançar outro olhar sobre a afro-brasilidade, nesse caso despertando a atenção para a literatura brasileira afro-descendente”, vaticina o presidente da Academia Mineira, para quem essa discussão contemplada no Colóquio é “essencial, necessária”. Ele conta que, além da atual iniciativa, a instituição segue à frente de programas permanentes, como “O Livro do Mês”, os lançamentos coletivos e os sábados feministas.
“Com eles, além de promover debates sobre questões destacadas na esfera da cultura e da sociedade, a Academia Mineira de Letras procura ampliar sua capilaridade, para atingir e dialogar com públicos diferentes, sempre a partir dessa perspectiva da diferença”, sublinha Jacyntho, que exalta o fato de que “o nosso português hoje, aqui onde estamos, no sertão da América, seja e não seja o de Camões, mas seja nosso tanto quanto é de Camões”. “Como cantou Caetano Veloso, ‘quero roçar minha língua na língua de Luís de Camões’. Isso nos faz semelhantes e diferentes. Depende de como se olha”, arremata, com o português na ponta da língua.
Serviço
O quê. 1º Colóquio Internacional Diásporas da Língua Portuguesa
Quando. Desta quinta (8) a sábado (10), com programação completa disponível no site da instituição
Onde. Academia Mineira de Letras (rua da Bahia, 1.466,) ou pelo YouTube da AML
Quanto. Gratuito, com inscrição através do formulário disponibilizado no portal da AML