O desejo de trazer para Belo Horizonte uma edição da Virada Sustentável, maior festival com foco em sustentabilidade e arte da América Latina, era antigo. Mas, por muito tempo, sua realização foi inviável. Enquanto o namoro seguia à distância, o evento ganhava outras cidades brasileiras, passando por São Paulo, Rio de Janeiro, Belém, Salvador, Porto Alegre e Manaus. Até que, finalmente, os ventos sopraram a favor.

“A capital mineira sempre esteve em nosso radar, já havia conversas avançadas com parceiros locais, mas faltava um patrocinador que apostasse e viabilizasse a realização do projeto. Foi somente no meio do ano passado, a partir de um chamado da Cemig, que conseguimos colocar de pé essa sonhada primeira edição na cidade”, celebra André Palhano, idealizador do projeto, que, a partir desta quarta-feira (7), ocupa ruas, praças e espaços culturais de BH com uma programação que mistura conscientização, cultura e diversão. 

Gratuito e aberto a todos, o festival reúne atrações musicais, com shows de Adriana Araújo cantando Alcione, Cícero, Tiê e Zeca Veloso, intervenções urbanas, como a pintura da escadaria da Estação Central do metrô pelo artista Bruno Ulhôa, e debates sobre clima e justiça social, além de oficinas, feiras e performances que mostram como a sustentabilidade pode ser prática, inspiradora e – por que não? – divertida.

A cantora Adriana Araújo | Crédito: Tamas Bodolay/Divulgação
A cantora Adriana Araújo | Crédito: Tamas Bodolay/Divulgação

Esse match, aliás, não é por acaso. “Ao contrário do que muita gente pensa, BH tem práticas e experiências que são referência em temas de sustentabilidade, como áreas verdes urbanas, economia circular e transição energética”, exalta Palhano, que pondera: “É claro que há uma infinidade de desafios pela frente, especialmente no contexto de mudanças climáticas, mas há também soluções e inovações que aparecem a todo momento e em todas as partes do mundo, há muita informação disponível”.

Após a escolha e viabilização do evento, o próximo passo, explica o produtor, foi iniciar um longo processo de escuta com mais de 120 organizações locais. “A partir daí criar uma programação unindo arte, conhecimento e sustentabilidade que faça sentido para a população local, que tenha sotaque local e que tenha os atores locais como protagonistas”, detalha.

O resultado é uma mistura de atrações nacionais com projetos já enraizados na cultura mineira, como a Festa da Luz, o Tranquilo, CorridasBH, Calma Clima, CURA, Duelo de MCs e o Lá da Favelinha, que se juntam a nomes como o cientista político Sérgio Abranches – nome que encerra o programa do fórum, na sexta, em parceria com o projeto “Sempre um Papo”.

O Duelo de MCs | Crédito: Pâmela Bernardo/Divulgação
O Duelo de MCs | Crédito: Pâmela Bernardo/Divulgação

Local e global

A conexão com a cidade sede é, desde sempre, um compromisso, uma característica e até um charme da Virada Sustentável, que, em BH, apresenta o Fórum da Virada, na quinta (8) e sexta-feira (9), no Auditório da Cemig, discutindo temas como eficiência energética e o papel da juventude na transformação socioambiental, enquanto transforma a rua Sapucaí em um grande palco a céu aberto. Lá, o público encontra atividades como o Paraíso Veg, festival vegano com feira de produtos e adoção de animais, e o Hip-Hop Cypher – Coletivo Pipoca e Combate, que celebra a cultura urbana com rodas de conversa e batalhas de breaking. 

Em termos expositivos, arte e reflexão dão o tom em “Até no Lixão Nasce Flor”, que apresenta obras feitas de resíduos reaproveitados, e na intervenção “Caminho das Águas: Entre Rios e Ruas”, que resgata a memória dos córregos que, canalizados e invisibilizados, correm por baixo do asfalto da cidade.

Intervenção 'Caminho das Águas: Entre Rios e Ruas' | Crédito: Isabela Prado/Divulgação
Intervenção 'Caminho das Águas: Entre Rios e Ruas' | Crédito: Isabela Prado/Divulgação

Mas se há um símbolo do espírito do festival, ele está na abertura, na quinta-feira (7), com a participação do velejador Amyr Klink e da fotógrafa Marina Klink. Em entrevista a O TEMPO, o casal conta como suas experiências – ele, navegando por alguns dos lugares mais remotos do planeta; ela, documentando a natureza – os levaram a se tornar vozes ativas na defesa do meio ambiente. 

“Quando você está num barco pequeno em alto mar, com recursos limitados, aprende a viver sem desperdício”, narra Amyr, que já viveu com apenas 2,7 litros de água por dia (para uso geral, não só para beber) – um contraste gritante com os 200 litros que o brasileiro médio consome. Marina, por sua vez, traz o olhar de quem presencia e registra as transformações ambientais.

“O Ártico, que funciona como um espelho para a atmosfera, está perdendo sua capacidade de refletir o calor. Se as geleiras desaparecerem, os oceanos absorverão ainda mais energia, acelerando o aumento do nível do mar e a ocorrência de eventos extremos, como furacões”, reflete ela, que cita outras tantas evidências da emergência climática que ameaça a sobrevivência humana na Terra, incluindo a seca na Amazônia e enchentes no Rio Grande do Sul e a poluição do ar e água. “Além disso, também falamos como pais de três filhas, que querem deixar um mundo melhor para elas e que querem dividir com elas esse conhecimento, na esperança que seja multiplicado”, inteira.

Urgente

Essa mistura de vivência pessoal e alerta global, que pauta as falas do velejador e da fotógrafa, é também algo característico da Virada Sustentável, que se propõe a ser uma plataforma de mobilização, apostando em uma abordagem em que a sustentabilidade não é tratada como um tema distante ou técnico, mas algo que pode – e deve – ser discutido em praças públicas, shows e saraus.

Cena do espetáculo infantil 'Dona Recicla' | Crédito: Divulgação
Cena do espetáculo infantil 'Dona Recicla' | Crédito: Divulgação

“Está mais do que na hora de deixarmos de pensar esse assunto como uma agenda ideológica, radical ou partidária, cheia de estereótipos que não condizem com a realidade. Temos desafios claros pela frente que só serão resolvidos de maneira coordenada entre os diferentes segmentos da sociedade”, defende André Palhano.

Para isso, a proposta da virada inclui ainda uma programação paralela, que inclui atividades como o Tweed Ride BH, um passeio ciclístico com figurinos inspirados nos anos 1940, e o espetáculo “Dona Recicla e Senhorita Biosfera”, que ensina crianças sobre compostagem e consumo consciente através do teatro.

SERVIÇO:
O quê. Virada Sustentável – Edição Belo Horizonte
Quando. A partir desta quarta-feira (7). Até domingo (11).
Onde. Rua Sapucaí, Palácio das Artes, Casa Sapucaí, Centro de Referência da Juventude, Viaduto Santa Tereza, Teatro Espanca, Praça Sete e locais ao ar livre em diferentes regiões de BH
Quanto. Gratuito. Programação completa em viradasustentavel.org.br