Fernanda Botelho e Ricardo Teodoro acumulam anos de experiência nos palcos e nas telas. Agora, os dois atores mineiros veem seus nomes ganharem projeção nacional no horário nobre da TV Globo. Eles integram o elenco do remake de “Vale Tudo”, interpretando, respectivamente, Marina e Olavo, personagens que, longe dos arquétipos tradicionais de mocinhos ou vilões, conquistam o público por sua complexidade e por um traço profundamente brasileiro: a urgência de sobreviver.

As histórias de Marina e Olavo dialogam diretamente com a provocação central da novela escrita por Manuela Dias: vale tudo para se dar bem na vida? Mesmo em núcleos distintos, os personagens compartilham um elo que transcende as tramas oportunistas: a luta diária para pagar as contas. Ricardo Teodoro, de 37 anos, interpreta o trambiqueiro Olavo, parceiro de César (Cauã Reymond), e define o personagem como um reflexo de muitos brasileiros reais.

“Todo mundo tem um amigo que é meio Olavo, meio César. É aquele cara que diz que vai ganhar dinheiro com apostas, com bets, mas que é gente boa para ter no churrasco”, analisa o ator. Para ele, a obsessão por dinheiro é o motor da vida de Olavo. “A questão para ele é sempre a grana, como ganhar dinheiro e ter uns dias de paz”, completa. Segundo Ricardo, Olavo e César “vivem a vida de forma imediatista”.

Em 'Vale Tudo', Ricardo Teodoro vive o trambiqueiro Olavo | Foto: Fábio Rocha/Globo

“É bem interessante, porque o Olavo é o oposto de mim. Sempre fui alguém que pensa no futuro, porque foi difícil fazer a carreira dar certo. Tive que guardar dinheiro, segurar onde dava. Então, viver um personagem tão diferente é um desafio que me encanta”, comenta.

Boletos e escolhas

Fernanda Botelho, de 45 anos, vive Marina, funcionária da mansão dos Roitman. Inicialmente uma observadora silenciosa dos acontecimentos da casa, Marina ganha protagonismo ao se tornar cúmplice da vilã Maria de Fátima (Bella Campos), em troca de benefícios financeiros. Fernanda, no entanto, evita rotular a personagem como vilã ou interesseira. Para ela, a motivação de Marina é mais profunda e bastante realista.

“Ela tem muitos boletos a pagar. Tem um filho que quer trazer para perto e não consegue, tanto por falta de dinheiro quanto de rede de apoio. Acho que viu na aliança com Fátima uma oportunidade”, explica. “É exatamente o que a novela propõe: vale tudo para conquistar o que você quer?”, pontua.

Fernanda acredita que a trajetória de Marina reflete escolhas difíceis enfrentadas por muitos brasileiros. “Às vezes, o que está em jogo é a sobrevivência da pessoa. Entre escolher sobreviver e ser correto, não é uma escolha fácil”, pondera. Para a atriz, a sensação é de gratidão e empatia. “Torço pela felicidade dos meus personagens. Ficaria muito feliz se a Marina conseguisse estar de novo perto do filho”, afirma.

Marina, personagem de Fernanda Botelho em 'Vale Tudo', se torna aliada da vilã Maria de Fátima | Foto: Manoella Mello/Globo 

Novas possibilidades na carreira

Fernanda celebra a fase atual como um marco em sua trajetória. A virada de sua personagem foi uma surpresa recebida com entusiasmo. “Jamais imaginei essa aliança. Foi uma novidade maravilhosa, que trouxe muitas camadas para a personagem”, diz. Acostumada a trabalhar com roteiros fechados, como no teatro e no cinema, ela encara o formato de novela como um desafio estimulante. “Vale Tudo” é sua primeira novela do início ao fim.

“É a primeira vez que atuo em uma obra aberta, em que tudo pode mudar a qualquer momento. É preciso estar com o coração aberto para novas possibilidades, porque a dramaturgia pode virar tudo de repente”, afirma. Sobre o futuro da parceria entre Marina e Maria de Fátima, ela deixa no ar: “A Fátima nunca está satisfeita, né? E a ganância dela não vai deixá-la esperar quietinha dois anos para ficar bilionária. E a Marina está ali do lado...”, provoca.

Ricardo, por sua vez, já entrou na novela apostando na química com Cauã Reymond. A parceria, segundo ele, se tornou um dos pontos altos da trama. “As pessoas percebem que estamos nos divertindo. Entre uma cena e outra, a gente ri, faz piada, sacaneia o outro”, conta. Ele vê as cenas de trambique - como a venda de bebês reborn - como uma espécie de Teatro do Absurdo. “Para ser engraçado, tem que ser levado a sério. É quase absurdo, mas a gente encara com verdade, porque os personagens acreditam naquilo”, explica. “Com Olavo e César, você não duvida que eles venderiam bebês reborn. Poderiam até fazer conteúdo adulto para ganhar dinheiro. A gente fica pensando: qual será a próxima tentativa desses dois?”, brinca.

Persistência e sonhos realizados

A chegada ao horário nobre não foi por acaso para os dois artistas mineiros. Natural de São José do Safira, no Vale do Rio Doce, Ricardo Teodoro acumula 17 anos de carreira e vive uma fase de ascensão após o sucesso do filme “Baby”, que lhe rendeu cinco prêmios, incluindo o de ator revelação na Semana da Crítica do Festival de Cannes, em 2024.

“Não foi nada dado, foi tudo muito batalhado”, afirma. Ele relembra os tempos em que trabalhou como vendedor e bilheteiro para sustentar o sonho de ser ator. “Sei o que é acordar sem saber como pagar um boleto. Esses personagens já estavam no meu corpo. O que me salvou foi nunca parar de atuar, mesmo quando não havia retorno financeiro.”, garante. “Hoje me sinto como uma criança realizando um sonho. O que parecia impossível está muito perto”, reflete.

O ator não pensa em descanso: “Demorei muito para chegar aqui. Quero emendar um trabalho no outro”. Em 2025, ele também estará na série “Pssica”, da Netflix, e no filme “Salve Rosa”. Ricardo revela ainda um desejo ambicioso: “Quero fazer um filme falado em outra língua. O mundo olha para o Brasil e pergunta: que escola de atuação é essa?”.

Fernanda Botelho, natural de Belo Horizonte, segue uma linha semelhante. Com 24 anos de carreira a serem completados em 2025, ela nunca parou de trabalhar. “Sempre estive em cartaz, sempre fiz espetáculos”, relembra a atriz, que também atuou em comerciais, locuções e dublagens. Atualmente, dedica-se à captação de recursos para o espetáculo musical “Canta Contos”, uma coprodução com uma equipe chilena que busca popularizar a ópera.

“É isso. Nossa vida é assim. Estamos sempre com um projeto em andamento, outro na cabeça e outro em execução”, afirma Fernanda. O projeto foi aprovado na Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte e está em fase de captação de recursos.