“Espero por trocas calorosas, como é costume aqui no Brasil”, resume o premiado escritor franco-senegalês David Diop sobre sua participação no projeto de conversas literárias “Sempre Um Papo”, na noite desta segunda-feira (21/7), no Teatro Ceschiatti do Palácio das Artes, na região Central de Belo Horizonte. Com entrada gratuita e tradução simultânea, o evento tem como anfitrião o poeta e artista mineiro Ricardo Aleixo e traz como eixo central o tema “Ancestralidade Poética”, sendo seguido de sessão de autógrafos dos livros “Irmão de Alma” e “A Porta da Viagem sem Retorno”, ambos publicados no Brasil pela Editora Nós.

Essa será a primeira vez que Diop participa de um evento literário na capital mineira e anima o autor, que celebra a recepção entusiasmada que tem recebido de leitores brasileiros desde a publicação de seus livros no país. Ele destaca, inclusive, o encontro recente com o escritor baiano Itamar Vieira Junior, autor de “Torto Arado”, obra que considera “admirável”.

Outro baiano, aliás, foi responsável pelo contato inaugural de Diop com a literatura brasileira. “O primeiro autor brasileiro que li quando era jovem no Senegal foi Jorge Amado, ‘Dona Flor e Seus Dois Maridos’”, lembra. Desde então, além de Itamar Vieira Júnior, leu “A História de Ponciá”, da belo-horizontina Conceição Evaristo, que ele descreve como alguém que admira muito, que teve a oportunidade de conhecer há alguns dias, no Rio de Janeiro. O respeito que nutre por autores brasileiros alcança também o campo da música: “O magnífico poema-canção de Chico Buarque, ‘Construção’, sempre me tocou profundamente”, conta.

Obras

Em “A Porta da Viagem sem Retorno”, seu livro mais recente, o David Diop volta ainda mais no tempo e aborda as conexões entre o continente africano e a diáspora forçada pelo tráfico de escravizados, situando sua trama na França do século XVIII. Ali, questiona os limites do Iluminismo europeu diante da barbárie do escravismo – tema que dialoga com sua pesquisa acadêmica sobre representações europeias da África nos séculos XVII e XVIII. Diop é professor universitário na França, na Universidade de Pau et des Pays de l’Adour.

A trama acompanha a história do naturalista francês Michel Adanson, inspirado no homônimo histórico (1727-1806), que esteve no Senegal de 1749 a 1754. “Eu deixei Paris para ir à ilha de Saint-Louis, no Senegal, aos vinte e três anos de idade. Como alguns na poesia ou outros nas finanças ou na política, eu queria fazer meu nome na ciência botânica. Mas, por uma razão da qual não desconfiava, apesar da sua evidência, não aconteceu o que eu previra. Fiz essa viagem ao Senegal para descobrir plantas e foram pessoas que encontrei lá”, escreve no volume.

A ancestralidade, tema central do encontro em Belo Horizonte, portanto, é um dos eixos principais de suas obras, aparecendo também em “Irmão de Alma”, romance que lhe rendeu o Prix Goncourt des Lycéens e o International Booker Prize em 2021. Na publicação, o autor chamou a atenção do mundo literário ao abordar um dos maiores conflitos do século XX por uma perspectiva raramente narrada: a dos soldados africanos recrutados pelas tropas coloniais francesas para lutar na Primeira Guerra Mundial. 

“A história colonial é sempre escrita pelos vencedores. A literatura permite que os vencidos falem. Para mim, trata-se de mostrar que se trata de uma voz humana, distante dos clichês e preconceitos da era colonial.”, comenta o autor em entrevista a O TEMPO.

Na obra, acompanhamos Alfa Ndiaye, tirailleur senegalês enviado às trincheiras da Europa, cuja mente é corroída pela dor da perda e pela brutalidade do combate. Diop optou por mergulhar o leitor nos pensamentos íntimos de Alfa, sem filtros, para revelar a devastação emocional da guerra e também os efeitos perversos do colonialismo. “Escolhi um personagem cujos pensamentos o leitor consegue ler, que não esconde nada de sua terrível intimidade com a guerra”, estabelece.

O horizonte belígero da obra, lançada originalmente em 2018, curiosamente, parece antecipar o contexto atual, de um mundo que vê eclodir novas por guerras e conflitos, algo que poderia parecer distante para muitas nações há alguns poucos anos – mas que o senhor já capturava, como espírito do tempo, em 2018. Nessa conjuntura, Diop é modesto ao refletir sobre o papel dos escritores e do próprio fazer literário: “A literatura transforma os leitores, mas não acredito que possa mudar o mundo. A força da literatura, em contraste com a política imediatista e as polêmicas partidárias, é que ela dispõe do tempo. A literatura permite dar conta da complexidade dos seres humanos e das situações difíceis que eles enfrentam. Nesse sentido, ela lança luz sobre o mundo”.

SERVIÇO:
O quê. David Diop participa do Sempre Um Papo com mediação de Ricardo Aleixo
Quando. Nesta segunda-feira (21), às 19h
Onde. Teatro Ceschiatti do Palácio das Artes (avenida Afonso Pena, 1.537, centro)
Quanto. Gratuito