BONITO - Basta uma pergunta para a atriz Maeve Jinkings falar por mais de dez minutos sobre temas variados do audiovisual brasileiro, da sensação de paralisia do setor, uma "insatisfação generalizada" com os rumos da políticas públicas, ao aprendizado que um festival de cinema oferece aos participantes, como se fosse uma "faculdade de cinema condensada em uma semana".
Intérprete da personagem Cecília Catanhede na novela "Vale Tudo", formando um casal lésbico com Lorena Lima, Maeve deu uma escapulida das gravações no Rio de Janeiro para estar na abertura do 3º Bonito CineSur, com início na noite de sexta-feira (25), no Centro de Convenções da cidade sul-mato-grossense e um dos principais destinos de ecoturismo do país.
Ela foi mestre-de-cerimônias da cerimônia de abertura do festival, ao lado do ator Antônio Pitanga, e pouco antes falou com os jornalistas convidados sobre o papel dos festivais de cinema como mobilizadores de discussão sobre o setor. "Importante para pensar os cenários possíveis, sejam eles os mais otimistas ou pessimistas, sobre o que a gente pode fazer junto", destaca.
"A comunidade (cinematográfica) está bastante insatisfeita com as políticas públicas, havendo uma sensação de paralisação, ainda que estejamos num governo progressista. O desmonte (da área cultural) começou um pouco antes do governo anterior e tínhamos uma ansiedade muito grande de reconstrução. Há uma frustração coletiva, com o desejo de dar passos mais significativos", analisa.
Citando os prêmios recebidos pelos filmes brasileiros em 2025, especialmente o inédito Oscar para "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles, ela observa que, "por outro lado, é inegável que nosso cinema vive um momento muito especial, brilhando, com grandes realizações. Para ela, a solução passa também por maior entendimento entre os integrantes da cadeia audiovisual.
"Os meus colegas das grandes produtoras acham que o dinheiro está com os pequenos produtores, enquanto esses acham que está com os grandes. Já os meus colegas do teatro acham que o dinheiro está todo com o cinema. A pergunta geral é 'onde está o dinheiro?'. Há uma insatisfação generalizada, com muitas maneiras de ver (o problema). Sinto muita falta de a gente se reunir com mais escuta", lamenta.
Para Maeve, a questão não está propriamente na falta de lideranças, como em outros tempos do cinema brasileiro. "Até existem lideranças, mas me perdoem se eu estiver falando alguma bobagem, mas uma sensação que eu tenho é que, antigamente, essas lideranças mais concentradas em realizadores homens, sempre brancos. Hoje em dia, não é uma autoridade tão dada, com uma tendência a ser questionada".
Uma das mudanças mais aguardadas é a regulação dos VoD (video on demand), com a taxação das plataformas de streaming, pauta que ainda caminha a passos lentos no Congresso. "Eu, como atriz que circulo por plataformas de streaming, televisão e cinema, vejo como evidente a precarização, a partir dos contratos muito leoninos que os profissionais são submetidos", critica.
"É fundamental saber o que essas plataformas têm a nos dar para essa cadeia, a partir de nossas histórias e de nosso imaginário. Eu confesso que não sei lhes dizer o que esperar, porque estou semana a semana tentando falar com meus colegas para poder entender e tem hora que a gente acha que está próximo de algum acordo e, às vezes,de que estamos andando para trás", constata.
Em Bonto, Maeve revela que estava com saudade dos ambiente dos festivais de cinema. "É tão rico, tão cheio de nutrientes para nós que fazemos cinema. Eu, que sou do audiovisual, que estou fazendo novela e streaming, quando chegou aqui vejo que sou um bichinho desse lugar, o quanto ele me alimenta. Minha formação, além da teatral, é desse lugar, do festival de cinema, foi o que me formou", assinala.
"Os festivais são faculdades condensadas em uma semana para mim. Eu não saio a mesma pessoa. Saio cheia de novas referências. (Fundamental) Ter um espaço como o CineSur, que reúne o cinema sul-americano. A gente sente falta desta irmandade. Por questões de idioma, a gente se sente tão apartado, mas somos tão irmãos. Temos tanto para aprender um com o outro", salienta.
Com uma carreira cinematográfica iniciada em Pernambuco, em obras como "O Som ao Redor" (2012) Maeve comemora a fase premiada da produção do estado, com "O Último Azul", de Gabriel Azul, vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim, e "O Agente Secreto", de Kleber Mendonça Filho, que levou os troféus de direção e ator (para Wagner Moura) no Festival de Cannes. Por muito pouco, aliás, ela não entrou no cast de "O Agente Secreto".
"Eu, Kleber e Emilie (Lesclaux, produtora) ficamos fazendo a maior ginástica de agendas, porque estava filmando o 'DNA do Crime 2'. Consideramos até eu ficar sem folga, viajando de madrugada, mas não deu certo. Mas me sinto como parte da 'família', muito feliz. Estou doida para ver, assim como o filme do Mascaro, que é meu parceiro, quem eu admiro muito e que me ensinou muita coisa quando fiz 'Boi Neon'. Sou louca para filmar com ele de novo", anima-se.
(*) O repórter viajou a convite da organização do 3º Bonito CineSur