Não espere uma Sylvia Kristel sexualizada na versão anos 2000 de "Emmanuelle", título dedicado a uma personagem que, apresentada pela primeira vez nas telonas em 1974, exercia sua liberdade máxima em relação ao corpo. Essa ninfomaníaca não passava de uma idealização masculina, como nos mostra a nova Emmanuelle, em cartaz a partir desta quinta-feira (10) nos cinemas.
Na pele da francesa Noémie Merlant (Sylvia, falecida em 2012, era holandesa de nascimento), a personagem agora tem na intensa sexualidade um ponto de fraqueza, uma maneira de fugir ao vazio existencial. As cenas mais picantes mostram esse constante incômodo interno, como se Emmanuelle não estivesse presente de verdade, apenas emprestando o seu corpo.
A diretora Audrey Diwan, que também participou do roteiro, traz uma protagonista bonita e sofisticada, que chega a um hotel em Hong Kong para uma grande vistoria, posição que lhe dá grande poder para circular livremente pelo espaço, vendo e sendo observada por todos. Esse voyeurismo é o máximo que o filme chega em sua excitação visual.
Neste sentido, ela ganha um correspondente masculino, um engenheiro deprimido com o mundo atual e que não consegue ter mais desejos. É uma situação que intriga e desafia Emmanuelle, acostumada a ser atendida em suas preferências, sejam homens, mulheres e casais. Desta forma, a "cura" de ambos irá depender de uma maneira de restabelecerem o sexo como prazer.
Premiada com o Leão de Ouro do Festival de Veneza por "O Acontecimento" (2021), Audrey cria um filme que evolui pelos olhares, com a câmera muitas vezes assumindo esse "olho" e apontando geralmente para corpos, para a possibilidade do encontro. O hotel vira um labirinto vazio onde as pessoas entram e saem, como num ato mecânico do sexo, sem grandes vínculos.
Esse é o retrato da Emmanuelle atual: sem parceiro, filhos, amigos e parentes. Seu único contato com o mundo exterior é seu contratante, que nunca vemos. O fato de não enxergá-lo em suas interações está no cerne da reflexão provocada pelo filme, em torno de um mundo recheado de distrações, desviando o nosso olhar para o que realmente importa.
Se consegue traduzir a Emmanuelle para novos tempos, Audrey não é bem-sucedida no ritmo de sua narrativa, muito calculada, às vezes enfadonha. Ela própria deixa de seguir uma orientação da gerente do hotel, vivida por Naomi Watts, sobre a importância de encontrar uma musicalidade no local para ganhar identidade. Em outros termos, falta lubrificação.