OURO PRETO. No penúltimo dia do Festival Tudo É Jazz, em Ouro Preto, a Praça Tiradentes foi palco de um espetáculo carregado de simbolismo. No sábado (9/8), o palco reservado às apresentações de maior porte recebeu Izzy Gordon, que encerrou a programação no espaço central da cidade – a festa segue no domingo (10/8) apenas no palco do Largo do Rosário, dedicado a shows de proposta mais intimista, como o do norte-americano William Evans Trio, também realizado no sábado.

A escolha de Izzy para encerrar a programação na praça foi mais do que acertada. Sobrinha de Dolores Duran, uma das homenageadas desta edição ao lado de Ella Fitzgerald, a cantora nutre vínculos com as duas divas que o festival celebra neste ano – e que se cruzaram, nos anos 1950, no Beco das Garrafas, no Rio de Janeiro. Na ocasião, a norte-americana, durante uma viagem, fez questão de ouvir a brasileira na boate Baccarat. Encantada com a interpretação de “My Funny Valentine”, Fitzgerald chegou a dizer que fora a melhor que já ouvira. “A Dolores, como intérprete, também aprendeu muito com a Ella, especialmente a improvisação”, lembra Izzy.

A artista nasceu em 1963 e não chegou a conhecer a tia, falecida precocemente aos 29 anos, em 1959. O luto vivido pela família afastou a música de Dolores do ambiente doméstico por décadas. “Eu ouvia muito mais Ella Fitzgerald, que foi minha grande referência e professora”, conta. As conexões, no entanto, permaneceram: Ella chegou a gravar uma versão em inglês de "Por Causa de Você", composição da brasileira, registrada sob o título "Don’t Ever Go Away" no álbum "Ella Abraça Jobim", de 1981.

Izzy, que já havia participado da programação itinerante do festival em um pocket show em Belo Horizonte, agora se apresenta em um formato mais robusto. Acompanhada por uma big band, Izzy selecionou 16 canções que formam um mosaico entre temas de Ella Fitzgerald – incluindo clássicos como "Cry Me a River", "They Can’t Take That Away from Me", "Satin Doll" e "A Tisket A Tasket" – e obras de Dolores Duran, como "A Noite do Meu Bem", "Castigo", "O Negócio É Amar" e "A Banca do Destino". O roteiro ainda incluiu standards como "The Way You Look Tonight", "Nice n’ Easy" e "Feeling Good", além de participações especiais do músico Paulo Moreira em "Georgia on My Mind", "Cheek to Cheek" e "Summertime". O bis ficou por conta de "The Lady Is a Tramp", coroando uma apresentação que adaptou cada arranjo para dialogar com o formato encorpado e swingado proposto pelo maestro Rodrigo Rios.

A apresentação coroa uma expectativa de décadas. “Tenho 35 anos de carreira e estava aguardando este dia há muito tempo. Para mim, é um marco me apresentar neste festival”, diz Izzy, que chegou à cidade na sexta-feira e se disse encantada com o cenário histórico: “É mágico, parece que a gente entra num outro plano, que o tempo fica suspenso”.

Música mineira e choro também passaram pelo palco principal

Antes de Izzy Gordon, a noite de sábado (9/8) na Praça Tiradentes recebeu o Trio Choro Negro, grupo selecionado via edital do Festival Tudo É Jazz, cuja formação valoriza a tradição do choro com interpretações cheias de virtuosismo e improviso.

Na sequência, foi a vez do cantor e compositor belo-horizontino Cliver Honorato subir ao palco para apresentar dois trabalhos que atualmente circulam em sua pequena turnê por cidades mineiras: o autoral "Indolente Malandragem", registrado ao vivo no Minas Tênis Clube e lançado aos poucos em formato digital, com estreia completa prevista para novembro, e o projeto "Da Maior Importância", em que apresenta releituras de composições da lavra de Caetano Veloso. “É como uma degustação desses dois universos com os quais tenho viajado pelo estado”, situa.

Cliver Honorato | Foto: Diogo Andrade/Divulgação

Assim como Izzy, Cliver também descreve a passagem pelo Tudo É Jazz como um marco na carreira. “Não são todos os festivais que abrem espaço para músicos independentes. E aqui já passaram nomes como Milton Nascimento, Cole Porter, Wayne Shorter, Lenine e Nando Reis. Subir ao palco do Tiradentes, onde todos eles estiveram, é uma honra e marca uma das fases mais importantes da minha trajetória”, celebra.

O músico destaca ainda a responsabilidade de dividir o mesmo dia de programação com nomes celebrados do jazz, a exemplo da própria Izzy Gordon: “Essas responsabilidades são boas, fazem a gente trabalhar para estar à altura. Apresentamos o show em cidades de Minas e agora é como abrir as portas com os dois pés”.

Show de Nando Reis empolgou público na sexta-feira

Na véspera, a Praça Tiradentes esteve lotada para receber Nando Reis, que apresentou um repertório repleto de sucessos. Canções como "Marvin", "All Star", "Por Onde Andei", "Dois Rios", "Luz dos Olhos" e "Sou Dela" embalaram a multidão. Depois desta última, o artista seguiu com "Sebastião", que contou com a participação do filho, Sebastião Reis, integrante da banda do pai, além de "Relicário" e "Do Seu Lado", que também ficou conhecida na voz da banda mineira Jota Quest.

O acesso ao show foi controlado, com limitação de público a 3.000 pessoas por determinação do Ministério Público, e filas se formaram antes e durante a apresentação. Muitos espectadores buscaram pontos elevados, como o obelisco no centro da praça, para garantir uma visão privilegiada do palco montado diante do Museu da Inconfidência.

Um dos maiores festivais de jazz do mundo

Reconhecido pela revista jazzista norte-americana "Down Beat" como um dos dez melhores festivais de jazz do planeta, o Tudo É Jazz, além dos shows, apresenta a exposição "Ella & Dolores", com direção criativa de Ronaldo Fraga e fotografias de Rodrigo Januário, que imagina encontros entre as duas cantoras em cenários como botequins e salões. Também foram realizados, ao longo destes três dias, workshops na Casa da Ópera, abordando temas como arranjos, o cenário do jazz no Brasil e no mundo e técnicas de trio. O espaço também recebeu uma apresentação de dança do Corpo Cidadão, projeto social do Grupo Corpo – a companhia mineira completa 50 anos em atividade neste 2025. 

O festival continua neste domingo (10/8), com o Cortejo Radiant Jazz Band e shows de Camila Rocha e, depois, de Filó Machado, ambos no Largo do Rosário. Depois do encerramento, o Tudo É Jazz segue em itinerância pelas cidades mineiras de Itabirito, Congonhas, Ouro Branco e Grão Mogol, entre agosto e setembro.