Logo quando começou a fazer sucesso na TV, Mateus Solano, de 44 anos, percebeu uma incômoda mudança na forma como as pessoas o enxergavam: em vez de um ser humano, elas viam apenas seus personagens. “As pessoas me olhavam e diziam: ‘é o Jorge? É o Miguel?’”, diz, relembrando a época em que interpretou gêmeos em “Viver a Vida” (2009), novela das nove de Manoel Carlos.

No fundo, o ator gostaria de responder simplesmente: “Não, sou eu, o Mateus.” “No começo, quanto mais famoso fui ficando, mais me sentia figurante de mim mesmo. As pessoas, quando me reconheciam, já queriam falar com o Félix, com o Miguel, com o Zé Bonitinho, com o Jorge, com isso, com aquilo... E eu me sentia atrás daquela expectativa”, comenta.

Hoje, mais maduro, ele diz lidar melhor com a fama e entende porque as pessoas tendem a gostar mais dos personagens do que dele mesmo. “Mas no começo foi difícil, pois não estudei para ser uma celebridade”, pondera. Por mais que esta não tenha sido uma experiência fácil, não significa que tenha sido inválida.

Pelo menos serviu de material para “O Figurante”, espetáculo que estreia em Belo Horizonte nesta sexta (15) e sábado (16/8), no Teatro Sesiminas, depois de ter passado por cidades de São Paulo, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Goiás, além de Araguari, no Triângulo mineiro. Na montagem, ele dá vida a Augusto, um figurante profissional que se vê sufocado por uma rotina insossa e pobre de sentido. 

“O figurante não faz parte direta de uma cena. Por exemplo, numa praia, tem gente jogando bola ao fundo ou passando pela frente dos protagonistas, e os figurantes são contratados para dar realismo à cena. Eles não podem aparecer muito”, explica Solano, que, na montagem, usa essa alegoria para falar sobre a sensação que sentimos às vezes de apenas compor um cenário da própria vida.

Ou seja, aquele momento em que, inevitavelmente, todos acabam vivendo no piloto automático, sem assumir o protagonismo da própria história. “Quantos de nós nunca se sentiram assim: como se não fôssemos os protagonistas da própria história?”, questiona. 

Por outro lado, Solano reflete a graça de ser um figurante, especialmente em um mundo que exige cada vez mais a melhor versão de um indivíduo. “Podemos encontrar um protagonismo através de ser figurante. A gente se angustia muito com a ideia da morte, com a ideia de não sermos importantes. E, para lidar com isso, inventamos importâncias. Mas eu acho que o grande barato é entender a beleza de ser figurante: a beleza de, ao morrer, virar mar, virar montanha, virar grama, virar outros animais. Quando o ser humano sair dessa ilusão de protagonismo que inventou para viver, vai conseguir viver com mais paz, mais harmonia e mais tranquilidade, entendendo que é figurante, e que isso é belíssimo. Afinal, fazemos parte de um todo. Não somos únicos nem exclusivos”, analisa.

Primeiro monólogo de Mateus Solano

“O Figurante” é o primeiro monólogo de Mateus Solano, com direção de Miguel Thiré. O texto foi desenvolvido por Solano em parceria inédita com a atriz, dramaturga e diretora Isabel Teixeira. “O texto foi criado a partir do processo ‘Escrita na Cena’, da Isabel. Eu improvisava diante de uma câmera, ela transcrevia e me dava feedback, sugerindo novas improvisações. Isso gerou um grande dossiê do Augusto, que depois desenvolvemos com o diretor Miguel Thiré”, revela.

Sobre estar sozinho em cena, ele entende como um mergulho profundo no exercício do ator. “É um aprendizado enorme. Quando estamos sozinhos no palco, não dá para fugir de nós mesmos, e isso é um prato cheio para crescer como artista”, analisa.

Quando Solano fala de estar sozinho no palco, é sozinho mesmo. Não há cenário nem troca de figurino. Dessa forma, ele faz um convite para a plateia construir a história juntos. “Isso, para mim, é o mais precioso: levar um público que me conhece pela televisão para assistir a um espetáculo que é absolutamente teatral. Eu uso do meu corpo e da minha voz para fazer mímicas, para indicar onde estou, o que estou fazendo, quem passa por mim, quem contracena ou esbarra. Tudo isso fica muito vivo, e as pessoas se impressionam com esse trabalho a ponto de dizerem: ‘Nossa, eu vi aquele ônibus em que você estava, a cozinha, a geladeira…’ E eu respondo: ‘Você não viu, você imaginou.’ Eu ajudei a usar o recurso da imaginação, que é o que nos torna humanos. Infelizmente, temos delegado esse recurso tão importante às redes antissociais, à inteligência artificial. Por isso, fico feliz de estar em um espetáculo que nos lembra que somos humanos”, celebra.

Para falar de temas tão profundos, Mateus Solano recorre ao humor, “recurso precioso, talvez o mais poderoso que temos, para falar de coisas sérias”.

“Ninguém quer ouvir coisa séria. Então, eu faço as pessoas rirem e, no meio da risada, coloco uma frase que as faz pensar. Acho que a peça faz muito isso, e o público percebe, gosta e entende esse recurso. O Augusto, por exemplo, vive um drama, mas ele próprio não entende o seu drama. É o espectador que percebe: ‘Coitado, olha só… ele é tão talentoso, mas, quando chega no trabalho, só falam para ele: ‘Fica quieto e sorri’. Assim, o espetáculo mistura graça, reflexão e emoção. É um espetáculo muito gostoso, porque acontece dentro das ‘quatro paredes’ do teatro, mas, em certo momento, essa parede é rompida”, explica.

SERVIÇO

O quê. Mateus Solano em “O Figurante”
Quando. Sexta (15), às 19h e às 21h, e sábado (16), às 18h e às 20h
Onde. Teatro Sesiminas (Rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia)
Quanto. R$ 60 (meia-entrada) e R$ 120 (inteira), no Sympla e na bilheteria