Elza Soares teve uma trajetória de reviravoltas e nunca se curvou diante das adversidades, pelo contrário, costumava se engrandecer nesses momentos. A última delas aconteceu em 2015, quando, há quase uma década sem entrar em estúdio para gravar, acabou resgatada por uma trupe de músicos paulistanos que a presenteou com “A Mulher do Fim do Mundo”, determinando um novo ciclo de sucesso na carreira da intérprete, que, a partir de então, assumiu-se de vez como voz das minorias historicamente excluídas pela brutal desigualdade da sociedade brasileira, muitas das quais ela mesma integrava: mulheres, pretos e comunidade LGBTQIAPN+.
O espetáculo “A Menina do Meio do Mundo: Elza Soares para Crianças”, que desembarca em Belo Horizonte neste domingo (17), se vale de uma espécie de trocadilho com o nome desse renovador álbum em seu batismo. No caso, “meio do mundo” pode se referir tanto à idade da protagonista, já que agora temos uma menina ao invés de mulher, quanto à localização geográfica da carioca criada na favela de Moça Bonita, atual Vila Vintém, no olho do furacão do bairro de Padre Miguel, no Rio. Ali, aquela que aprendeu a cantar com uma lata d’água na cabeça imitando a sonoridade metálica da cigarra, e que seria eleita a Voz do Milênio pela BBC de Londres, observava as luzes da cidade grande com o encantamento de uma criança.
“Elza via de cima do morro as estrelas se misturando com as luzes do asfalto. Ela achava que aquilo tudo era o céu. E sonhava com o dia que poderia mergulhar nesse céu”, sublinha Pedro Henrique Lopes, dramaturgo da montagem que partiu dessa vivência real, narrada pela própria cantora, para compor a narrativa. A bonita ironia da história é que “Elza se tornou uma grande estrela que segue brilhando até hoje”, aponta Lopes.
Ele destaca que o espetáculo, a partir dos percalços superados pela artista, “apresenta a força da mulher negra, a infância na favela e a vontade de cantar em toda parte”. “Elza Soares trouxe o samba, o jazz, o rasgado na voz e a intensidade da interpretação para a música brasileira. A sua voz única chegou a ser premiada fora do Brasil diversas vezes. Trazer trechos da sua história, e, principalmente, das suas vitórias, é um exemplo gigantesco para crianças e pessoas de todas as idades”, afirma.
Abordagem
Com uma estrutura de teatro musical, direção de Diego Morais, direção musical de Gabriel Quinto e Tony Lucchesi e coreografias de Viviane Santos, o espetáculo não dispensa o rol de canções eternizadas na voz da intérprete, percorrendo diversas décadas por meio de “Meu Guri”, “A Carne”, “Se Acaso Você Chegasse”, “Mas Que Nada”, “Lata D’Água”, “A Mulher do Fim do Mundo”, e tantas outras, com arranjos ao gosto do público infantil. No elenco, Sara Chaves vive Elzinha, Fernanda Sabot interpreta a mãe Dona Rosária, Erick Villas encarna o papel de Alair, Alan Ribeiro reveza-se entre Guri e Adalberto, e Elis Loureiro dá vida a Dindi.
“É lindo ver as crianças se encantando e cantando com a obra de Elza”, celebra Lopes. Como dramaturgo, ele sustenta que procurou “criar história onde a história oficial não conta”. “Isso significa que eu parto de tudo que aconteceu na vida real para criar uma história lúdica e cheia de imaginação, que se comunica com pessoas de todas as idades”, garante.
Para ele, não há dúvidas de que Elza é “uma das figuras mais importantes da cultura contemporânea brasileira”. “Seu talento, sua arte e sua história merecem e precisam ser lembradas a todo instante. Ela teve uma história de garra, de luta, de força, de música e de muito sucesso”, reforça o dramaturgo.
Lopes declara que Elza sempre esteve presente em sua vida. “Desde pequeno a ouvia no rádio, assistia pela TV. Mas foi na adolescência que comecei a entender a grandeza e a potência de Elza. E ela nunca mais saiu da minha vida e nem das minhas playlists”, informa.
No radar, o projeto Grandes Músicos para Pequenos, iniciado em 2013, segue de olho em homenagens que já contemplaram nomes como Luiz Gonzaga, Milton Nascimento, Braguinha, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Elis Regina e Raul Seixas. Feito a infância, que um poeta definiu como a camada fértil da vida, essa história parece estar só começando.
Serviço
O quê. Espetáculo “A Menina do Meio do Mundo – Elza Soares para Crianças”
Quando. Neste domingo (17), às 17h
Onde. Grande Teatro Sesc Palladium (rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro)
Quanto. Ingressos a R$5 para serem doados ao programa Sesc Mesa Brasil pela plataforma www.sympla.com.br ou na bilheteria do teatro