Segundo filme da mostra competitiva de longas do Festival de Gramado, apresentado na noite de domingo (17), "Papagaios" tem na mistura de sátira social com suspense um de seus atrativos. E também um de seus problemas.
O primeiro longa de ficção do diretor Douglas Soares põe na balança um tema muito atual, a partir da banalização da violência. A atitude de Tunico é, de certa maneira, violenta, porque suas ações esbarram na intimidade e nos direitos do outro.
Tunico é um "papagaio de pirata", buscando de forma insistente cavar aparições em reportagens na TV, independentemente do assunto - pode ser uma tragédia de grandes proporções ou o enterro de um artista.
Apesar de ser uma figura aparentemente inofensiva, vivida com graça por Gero Camilo, ele carrega uma obsessão doentia por estar num lugar onde não deveria. A ligação com o jovem Beto (Ruan Aguiar) amplia essa questão fora dos limites.
Se Tunico parece viver um constante estado de sonho, se contentando em ser uma sub-celebridade, Beto tem nessa fantasia uma válvula de desequilíbrio, com outras intenções que não somente servir de "papagaio de pirata".
Psicologicamente doente, perceptível desde a primeira cena, quando ele desfruta de um acidente grave no brinquedo de um parque de diversões, Beto representa a outra face da obsessão de seu mestre.
Beto é silencioso, inconstante, vingativo e sem limites. Em alguns momentos, o filme reflete essa outra pessoa em sua mente, quando imagina viver um personagem mascarado, mostrado como um ser meio demoníaco.
Essa construção crescente do suspense psicológico, ao nos apresentar um potencial serial killer, não dialoga com o permanente tom satírico, como se o filme quisesse imprimir em Beto algum tipo de humor (ou redenção).
A entrada em cena do cantor Léo Jaime, interpretando ele próprio, renova esse sentimento cômico, ao virar, primeiramente, um concorrente de Tunico e, depois, um trampolim para este possa aparecer na TV.
É o que basta a Tunico, que não percebe o monstro que ajudou a alimentar. Em seu intuito egoísta, ele vê em Beto mais um sintoma de quem, como ele, está na borda da sociedade, em busca de um lugar ao sol.
"Papagaios" não consegue fazer desse espelhamento a sua espinha dorsal, tirando a tensão que poderia haver de nossa desgraça social, como extratos de uma situação de abandono e rejeição.
O riso às vezes soa muito ingênuo, em descompasso com a direção tomada para una esperada escalada de violência. Se fosse menos simpático a Tunico e seu universo, o filme teria maior coesão e força narrativa.