Fellini costumava dormir nos sets de filmagem de seus filmes. Ao acordar, desenhava os sonhos que serviam de inspiração para suas produções oníricas e provocantes. Foi também em “um sonho-delírio jovem” que Larissa Barbosa acreditou que “poderia mudar o mundo através das imagens”. “De certa forma, ainda vivo esse sonho, e acredito que ele seja possível. Quando um filme toca meia dúzia de pessoas já considero uma forma de transformar o mundo”, conta.
O 1º Festival de Cinema de Contagem, que acontece desta sexta (22) a domingo (24), teve números bem mais expressivos, com 1.060 inscritos. Larissa é uma das curadoras, ao lado de nomes que ajudaram a remodelar a cara do cinema na cidade, como André Novais Oliveira, Sara Não Tem Nome, Arthur Ranne e Igor Amin.
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Larissa lembra que cineastas como Affonso Uchôa (diretor de “Arábia”) e Karen Suzane (diretora de “A Mulher Que Eu Era”) foram decisivos nessa caminhada. “É fundamental que Contagem reconheça que existe uma cena cinematográfica ativa e que há realizadores talentosos na cidade. O festival possibilita que os filmes encontrem um espaço de exibição em sua própria cidade, fortalecendo o reconhecimento da produção audiovisual local”, pontua.
Com exibição de curtas-metragens de ficção, documentário e experimental, a iniciativa apresenta mostras como “Cineminha do Contagito”, voltada ao público infantil, “Brasil em Foco” e “Contagem é Cinema”. “O que há em comum entre os filmes são os temas relacionados à juventude, outros entendimentos sobre amor e sobre o lugar dos jovens na cidade. Esses temas dialogam diretamente com o fato de que Contagem está se tornando um polo de produções audiovisuais no Brasil, buscando explorar e descobrir uma linguagem própria”, observa Larissa.
Presidenta da Associação de Apoio aos Produtores de Cinema Independente e de Audiovisual de Contagem (AAPCINE) e diretora-geral do festival, Danielle Uchôa enfatiza que a empreitada “se propõe a colocar no centro de cena o cinema autoral, independente e periférico, entendendo nele uma pujança própria, uma força motriz que movimenta, impulsiona e direciona para uma liberdade criativa que revoluciona linguagem, muda percepções e formas de experiências cinematográficas”. “É um cinema que se impõe pelas margens e clama por festivais”.
Percurso
Larissa também atribui a força do cinema de Contagem às periferias. “Nos últimos anos, mudanças históricas e políticas no país possibilitaram que essas pessoas começassem a sonhar e a produzir filmes”, destaca. Danielle considera que, em seus primórdios, essa produção veio à tona em função de uma dobradinha entre “o talento e o acaso”.
“Talento porque foram iniciativas quase que particulares tanto dos meninos da (produtora) Filmes de Plástico quanto do Affonso Uchôa, que lançaram seus filmes a partir de editais que não eram necessariamente de Contagem, mas que por ímpeto próprio apostaram em produções com roteiro de baixo orçamento, mas de uma clareza enorme sobre o que propunham”, avalia.
Ela afirma que esses realizadores “lançaram olhares novos e sensíveis para a produção cinematográfica periférica, ressignificando esse lugar nas propostas contemporâneas”. “Atualmente há um investimento maior em editais de Cultura em Contagem e outras iniciativas que partem da educação, como mostras de cinema focando no público estudantil, por exemplo”.
Larissa segue na mesma linha ao constatar que, “depois de tanto tempo de negação do cinema no governo passado, estamos conseguindo virar essa chave, nos reerguer das cinzas e reconstruir um cinema brasileiro que havia ficado em frangalhos”. Ela, no entanto, não deixa de verificar obstáculos, notadamente a falta de regulamentação do streaming. “Isso enfraquece significativamente as produtoras independentes, que representam a maior parte do setor no Brasil, assim como os artistas e cineastas, impactando diretamente a qualidade dos filmes e provocando um sucateamento do setor”.
Danielle concorda com a crítica, ao mesmo tempo que enxerga uma janela de oportunidade. “O principal obstáculo é lidar com baixo orçamento, isso tem sido um entrave ao pleno desenvolvimento da área no país. Por outro lado, a principal força é justamente reinventar linguagens e formas de contar o que se deseja. Uma produção cinematográfica influencia muito na maneira como um povo se enxerga. A difusão e a circulação dos filmes brasileiros ainda são muito limitadas, se concentrando em circuitos como mostras e festivais, ou quando possuem uma grande produtora que faz o filme chegar às salas de cinema. O brasileiro cresce vendo uma produção que não é do país dele e isso afeta sua subjetividade, que tende a entender que a produção de cinema no Brasil é ruim, quando na verdade ela está em estreito diálogo com nossas questões mais íntimas”.
Para ela, o cinema de Contagem “dialoga diretamente com essa produção mais contemporânea brasileira porque vem para dizer que o cinema também pode ser feito nas bordas, contrariando o que significa fazer cinema no Brasil, uma área tão difícil e elitista”. “O fato de não termos grandes produções, limitadas por baixo orçamento, não significa que não tenhamos filmes de muita criatividade e valor simbólico”, arremata.
Serviço
O quê. 1º Festival de Cinema de Contagem
Quando. Desta sexta (22) a domingo (24)
Onde. CEU das Artes – Ressaca (rua Magnólia, 100, Arvoredo)
Quanto. Gratuito