Mudança. Risco. E movimento. A tríade define a vida na visão de Priscila Amoni, e também serve à dança. Diretora do Instituto Cura, que, neste final de semana, participa de mais uma edição da Virada Cultural de BH, ela comenta a intervenção das premiadas dançarinas da Cia. Base com a coreografia “Devir”, que as elevará ao alto da fachada do Edifício Leblon, no centro da capital.
“Esse espetáculo, suspenso no céu e em diálogo com as empenas, traz ao público a experiência do espanto e da delicadeza, duas forças necessárias para atravessarmos o agora”, sublinha Priscila. Para ela, “a dança tem a capacidade única de atravessar a cidade com o corpo, de desenhar com o movimento”. “‘Devir’ traz essa ideia de transformação permanente, ser outro, ser muitos, ser fluxo”.
Mas haverá muito mais, como de praxe nas intervenções do Cura, sigla para Circuito Urbano de Arte. A temática da vez inventa uma palavra, “Pracificar”, com a elasticidade verbal de João Guimarães Rosa, justamente para ampliar as perspectivas, como uma câmera fotográfica que se abre para uma imagem panorâmica.
“Quando a vida urbana tende a fragmentar e isolar, trazer a praça para o centro é lembrar que o espaço público é o que nos reúne. Numa cidade marcada por disputas e desigualdades, a praça é o espaço radical do encontro. É nesse espírito que o Cura se compromete com o território por onde passa, escavando-o”, conceitua Priscila.
Ela salienta a “proposta a virar praça: pra se ficar, curtir o tempo, dar uma pausa, vocês vão entender o porquê através das obras!”, promete. Este ano, por exemplo, com o concurso de ideias, a iniciativa convidou “estudantes de arquitetura a sonhar a praça e reinventá-la como espaço vivo”.
“Queremos que o Cura transforme os locais por onde passa”, reforça a entrevistada, que destaca o fato de a empreitada ter se consolidado como equipamento do Circuito Liberdade e instituto cultural. Indo a esse encontro, outro chamariz da programação é o Highline Feelings, coletivo que cruza prédios com uma fita de slackline a mais de 70 metros de altura, “riscando o céu de Belo Horizonte como se fosse um desenho vivo”.
“Vamos desenhar um triângulo no céu da Raul Soares. Essa linha tensionada entre prédios é, ao mesmo tempo, corda e traço. Ela redesenha a paisagem, cria outra possibilidade de olhar para a cidade. Simbolicamente, é sobre equilíbrio, sobre atravessar o vazio, sobre sustentar o risco. Para o Cura, é também uma forma diferente de ocupar as empenas, não apenas como telas para a pintura, mas como suporte para a dança, para o gesto do corpo que escreve no ar”, enaltece.
Para completar, estão previstas uma instalação itinerante que transforma retratos em manifesto, shows musicais e cortejos das trupes Madagascar, Bazar Brasileiro, Maracatu Estrela de Aruanda e bloco Andacumfé, além de oficinas, jogos e brincadeiras para as crianças.
“A curadoria deste ano parte da ideia da praça como espaço de encontro de linguagens. Por isso, trazemos não apenas murais, mas também dança, performance, instalações, escritas de luz. A escolha foi guiada por artistas que pensam a cidade como suporte e campo de disputa simbólica. Cada atração traz uma forma de ocupar a praça, de ressignificar o espaço urbano e de provocar o público a imaginar outros futuros para a cidade”, afiança Priscila.
No radar do projeto que se iniciou em 2017, com 34 prédios pintados ao longo desse tempo, está o aprofundamento de suas raízes. Um bom exemplo é a criação do Cura Amazônia, em Manaus, primeiro mirante de arte indígena do mundo, que “a coloca em evidência, com o protagonismo que ela merece, no coração da floresta”.
“Foi também com o Cura que tivemos a alegria de realizar a primeira empena do Brasil pintada por uma mulher indígena, e isso diz muito sobre o nosso compromisso com representatividade e com a ampliação de vozes no espaço urbano. Daqui pra frente, o nosso compromisso é seguir ampliando esse legado. O nosso objetivo é nos aliar cada vez mais à construção do bem viver na cidade, se aproximando das vozes que se aliam à justiça climática e à sustentabilidade do mundo atual”, arremata Priscila.
Serviço
O quê. Cura na Virada Cultural de BH
Quando. Neste sábado (23), das 18h às 22h; domingo (24), de 13h às 22h
Onde. Praça Raul Soares – programação completa no Instagram @cura.art
Quanto. Gratuito