Quanto Netflix, Prime Video, HBO Max, Disney+ e concorrentes faturam no Brasil? A resposta não é simples. Os números sobre lucros, audiência e investimentos das empresas de streaming costumam ser chamados por pessoas do meio audiovisual de caixa preta.

Os dados não são públicos, já que são de empresas privadas, mas são fundamentais para o debate de quanto as plataformas deveriam pagar de Condecine, a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional. O imposto é um ponto-chave do projeto de lei que regulamenta o streaming.

As tentativas de estimar quanto as plataformas faturam no Brasil vêm gerando discordâncias na Ancine, a Agência Nacional do Cinema. O órgão elaborou recentemente um documento estimando a receita bruta sobre a qual incidiria a Condecine.

O valor estimado, porém, veio com um erro de matemática neste primeiro relatório apresentado. A tabela que estima o faturamento das plataformas com receitas de publicidade e assinaturas informa que a soma daria R$ 69,7 bilhões. Mas, se cada item for somado na ponta do lápis, o total dá R$ 76,2 bilhões.

O documento estima as receitas das plataformas Instagram, Netflix, Disney, YouTube, TikTok, Amazon Prime Video, Globoplay, HBO Max, Paramount+, ClaroTV+, Appe TV+, Kwai e outros.
Esse relatório foi apresentado em meio a uma rodada de reuniões do Ministério da Cultura, o MinC, e da Ancine com entidades do setor audiovisual e com Jandira Feghali (PCdoB-RJ), relatora do projeto de lei do streaming, no início deste mês.

À reportagem, a Ancine afirma que "não houve divulgação de números ou resultados definitivos". E que os levantamentos sobre o mercado de vídeo sob demanda são um processo em andamento e "de caráter técnico e preliminar". Acrescenta que "o erro de soma identificado no levantamento preliminar será corrigido, com as devidas melhorias incorporadas ao processo".

Após a circulação do documento, houve queixas de profissionais do meio, que avaliaram que os números estavam exagerados, sejam R$ 69 ou R$ 76 bilhões. Entre os profissionais do setor independente, há o temor de que valores superlativos de faturamento favoreçam um argumento em prol de alíquotas menores de taxação. "Independente" é um termo guarda-chuva que engloba todos aqueles que não estão diretamente ligados aos grandes conglomerados da indústria cinematográfica.

Enquanto plataformas defendem uma Condecine de 3%, os independentes advogam por 12% sobre a receita bruta. O MinC quer a alíquota de 6%.

A diretoria da Ancine é hoje composta por Alex Braga Muniz, diretor-presidente, e Vinícius Clay, ambos indicados no governo Jair Bolsonaro (PL), além de Paulo Alcoforado, indicado pelo governo Lula (PT). Braga Muniz também foi anteriormente indicado por Michel Temer (MDB) para o cargo de diretor, depois foi designado substituto eventual do diretor-presidente já no governo Bolsonaro, até enfim ser nomeado diretor-presidente em 2021.

O gabinete de Alcoforado elaborou um texto criticando o valor de R$ 76 bilhões, além de apontar o erro de matemática. Segundo o documento, as estimativas feitas pela Ancine sobre as receitas dos serviços de vídeo sob demanda "não foram baseadas nos dados da Receita Federal".

O texto afirma, ainda, que uma "superavaliação das receitas a serem tributadas pode acabar por produzir efeitos indesejados no debate legislativo".

Logo após a crítica de Alcoforado, a Ancine publicou uma nota afirmando que "a divulgação de materiais não oficiais, e fora da mediação institucional da Agência, não reflete a posição da Ancine e de seu qualificado corpo técnico". A nota afirma que "essa divulgação pode comprometer a integridade do debate público e gerar instabilidade em um momento estratégico para o audiovisual brasileiro".

Em nota enviada à reportagem nesta segunda (25/8), a Ancine afirma que "as metodologias aplicadas seguem padrões reconhecidos internacionalmente em estudos setoriais, baseando-se em parâmetros públicos e projeções consistentes". "Esse trabalho integra os esforços da agência para ampliar o conhecimento sobre o segmento de VoD (video on demand) e subsidiar discussões regulatórias para o fortalecimento do audiovisual brasileiro", segue a nota.

A agência também afirma que ao término do processo os dados consolidados serão publicados, sem precisar a data.
O projeto de lei do streaming tenta sair do papel há anos, sem sucesso. Há duas pautas correndo no Congresso atualmente.

Uma deles, relatada por Feghali, parecia que ia vingar, mas sofreu obstrução na comissão de cultura da Câmara. Agora, ela deve ser anexada a outro projeto sobre o tema, mais antigo. Com isso, a expectativa é que Jandira Feghali deixe de ser a relatora, o que é visto, nos bastidores, como uma manobra costurada para retirá-la dessa posição.

Na última semana, representantes do audiovisual independente finalmente conseguiram se reunir com o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), para discutir o andamento do PL do streaming. Nem a ministra da Cultura, Margareth Menezes, nem o secretário-executivo do MinC, Márcio Tavares, estiveram na reunião.

As entidades presentes no encontro com Motta fizeram defesa da manutenção de Feghali na relatoria e demonstraram preocupação com a possibilidade do apensamento dos dois PLs que tratam do assunto. O presidente, porém, não se comprometeu a manter Feghali na relatoria

Na reunião da semana passada, foi entregue a Motta uma carta aberta assinada por centenas de profissionais do audiovisual, que cobram celeridade na votação do PL do streaming. Os diretores Walter Salles, Fernando Meirelles, Kleber Mendonça Filho, Laís Bodanzky, Petra Costa, Daniel Filho e os atores Fernanda Torres e Wagner Moura são signatários do documento.

Nos últimos meses, Netflix e Amazon têm se aproximado de diferentes áreas do governo federal e participam de mesas de negociação para apoiar projetos variados. Reformas de salas de cinema, campanhas de promoção do turismo e reformas em equipamentos públicos estão nos planos de algumas plataformas de streaming que atuam no Brasil.