Ao se tornar mãe, Raissa Guimarães foi “atravessada por diversos sentimentos e sensações”, o que se intensificou quando ela passou a ser “a principal responsável financeira e emocionalmente” pelos filhos. Ou seja, uma mãe solo. Não demorou para que ela percebesse que aquela história parecia se repetir, tanto em sua família quanto na sociedade.
“Tenho passado, nos últimos anos, por profundas reflexões, confrontando as vivências enquanto filha de uma mãe solo, e, agora, sendo eu também uma mãe solo. Percebi que muitas das histórias que minha mãe viveu e compartilhou comigo poderiam ter sido minhas e vice-versa, e o quão absurda e inóspita é essa sociedade capitalista que desde os primórdios fomenta essa cruel ‘genética das mães solo’”, conta. Neste final de semana, ela desembarca em Belo Horizonte com o espetáculo “Colapso: Uma Tragicomédia Materna”, em que, sozinha no palco, reflete sobre essa condição que atinge milhares de mulheres.
“Percebi que era vital para mim, enquanto artista, transformar parte das nossas dores e revoltas, minhas e da minha mãe, mas que poderiam ser de tantas outras, em um espetáculo que tivesse a intenção de colocar essa discussão em foco, de modo engajado. É sobre vomitar uma vivência pessoal e compartilhá-la, na certeza de que essa voz fará eco em tantas outras mulheres mães”, aposta. Esse sentido de compartilhamento surge através de um microfone posicionado na plateia, que pode ser tomado pelas espectadoras sempre que a sirene soar.
“Abrir para o público falar de uma temática tão sensível é com certeza um desafio para mim enquanto atriz, pois vou ter que lidar com o inesperado e seguir com o espetáculo, com possíveis outros atravessamentos, porém o desejo de proporcionar com que outras mulheres e mães se expressem é superior a qualquer receio. Penso que essas vozes precisam ser mais ouvidas e esse foi o modo que esse trabalho encontrou de contribuir para esse movimento. Em suma, me sinto motivada e disposta a afetar e também ser afetada nesse jogo com a plateia”, afiança Raissa.
Absurda
A atriz sublinha que, apesar de o monólogo ter partido de experiências vividas por ela, havia, desde o princípio, “o desejo de ampliar a discussão para além do íntimo, do privado, e alcançar outro patamar de profundidade e reflexão”. “Democratizar o discurso da peça foi uma das maneiras que pensamos para chegar nesse lugar mais político e menos pessoalizado. Mesmo porque, quando falamos em maternidade não se pode ignorar que há recortes de classe, gênero e raça que tencionam ainda mais a discussão”, avalia.
Em conversas com a diretora Rhena de Faria, ela compartilhou “histórias desafiadoras, absurdas e difíceis” vivenciadas enquanto mãe solo de duas crianças. Logo, elas encontraram o tom almejado para o espetáculo. “O tragicômico nos permite mesclar o trágico, o drama, a comédia, o absurdo, o nonsense, o poético, o patético. Nada mais apropriado para falar de maternidade solo, já que tudo isso se faz constantemente presente na vida de uma mãe solo”, constata Raissa, para quem o gênero propõe “a diluição das fronteiras entre o sério e o ridículo, estabelecendo o diálogo entre essas duas grandezas”. Nesse sentido, a formação de palhaça da atriz foi um trunfo.
O resultado de tantas sensações misturadas seria justamente o título da empreitada, que se dedica “a uma maternidade real e não romantizada”: “Colapso”. “A palavra demarca a dinâmica de caos instaurada e operada por uma sociedade capitalista que impõe grandes desafios e dificuldades para as mães solo. Todas as diferentes histórias do espetáculo são conectadas por uma mesma espinha dorsal. A das mulheres mães à beira de um colapso”, declara.
Com uma estética minimalista, de modo que a peça “se desenhe por meio do corpo da atriz e suas narrativas”, resta à personagem interagir com os objetos de cena. “Me parece ser o caminho mais orgânico para falar de maternidade solo e dar a dimensão desta solidão. A ideia é botar luz sob a problemática, e não amortecê-la. É preciso evidenciar essa chaga social para que futuramente, quem sabe, essa realidade possa ser diferente e as mulheres mães possam viver de modo menos insalubre”, finaliza Raissa.
Serviço
O quê. Monólogo “Colapso: Uma Tragicomédia Materna”, com Raissa Guimarães
Quando. Neste sábado (30), às 19h; domingo (31), às 18h
Onde. Teatro de Bolso do Sesc Palladium (rua Rio de Janeiro, 1.046)
Quanto. A partir de R$10 pelo www.sympla.com.br ou na bilheteria do teatro