Após estreia em São Paulo, o Grupo Corpo aporta em Belo Horizonte com “Piracema”, espetáculo que marca a celebração dos 50 anos da companhia mineira, mergulhando em ineditismos. A série de apresentações tem início nesta quarta-feira (27/8), no Grande Teatro Palácio das Artes, no centro, se estendendo até segunda-feira (1º/9).
O nome escolhido, como tudo no grupo, não é casual: além de evocar a plasticidade do fenômeno de migração dos peixes, que nadam contra a corrente para garantir a sobrevivência da espécie, o título reflete a própria história do Corpo e representa este momento histórico de renovação da companhia.
Para o espetáculo, Clarice Assad, primeira mulher a assinar sozinha uma trilha para a companhia, mistura sons da natureza, música sinfônica e elementos eletrônicos, inclusive com trechos gerados por meio de recursos de inteligência artificial (IA).
A composição da artista, batizada de “(R)evolution”, serviu de ponto de partida para dois balés independentes – um de Rodrigo Pederneiras, responsável por quase toda a produção coreográfica da companhia desde os anos 1980, e outro de Cassi Abranches, ex-bailarina do grupo e uma das raras artistas, além de figuras como o argentino Oscar Araiz, a já ter dirigido um espetáculo do Corpo. Criadas sem interferência mútua, as duas obras foram depois integradas, formando um só balé que preserva e conecta ambas as visões.
A concepção transborda também para a cenografia. No palco, 82 mil tampas de lata de sardinha cobrem fundo e laterais, formando painéis que evocam escamas e refletem luz em tons dourados, prateados e fosforescentes. Uma cenografia que dialoga com os figurinos criados por Marcelo Alvarenga e Susana Bastos. A dupla, anteriormente, já havia trabalhado com Freusa Zechmeister, arquiteta e designer de figurino que faleceu no ano passado e, por décadas, desenhou os trajes da companhia.
O eterno agora
À frente do Corpo desde a fundação, o diretor artístico Paulo Pederneiras, como de hábito, evita fazer projeções de futuro em meio às comemorações do cinquentenário da companhia. Tampouco se prende ao passado.
“O foco é sempre o próximo passo, o agora. Pulamos de cabeça, correndo todos os riscos para não nos acomodarmos”, avalia, quando questionado sobre os projetos após a travessia desse meio século de história. Para ele, essa aposta no “eterno-agora” mantém o grupo contemporâneo e relevante, mesmo cinco décadas depois de sua criação, quando, aos 24 anos, inaugurou a então Escola de Dança Corpo e estreou “Maria, Maria”.
“Costumo dizer que éramos muito presunçosos. Imagine, chamamos Milton Nascimento para fazer a trilha. A música ‘Maria, Maria’ foi composta para o Grupo Corpo. Isso já é de uma presunção de todo tamanho. Então, eu não me assusto com o sucesso. É claro que é bom ter público, crítica. Significa que temos algo a dizer – e isso é o que importa. Essa é uma reflexão que vem mais de fora do que de dentro do Corpo. Como se diz: ‘Elogio em boca própria é vitupério’”, conclui.
Desacelerar
Enquanto Paulo evita pensar no amanhã, seu irmão, Rodrigo Pederneiras, por outro lado, admite já fazer planos. Quando atendeu à reportagem, cuidava de seus sete cães – um deles, doente. É nesse cotidiano doméstico que ele quer investir mais tempo.
“Gostaria muito de passar esse bastão da maneira que estamos fazendo”, comenta, sobre a parceria com Cassi Abranches, com quem assina a coreografia de “Piracema”. “Está na hora de deixar que outras pessoas comecem a conduzir essa história. E acredito que quem dará esse direcionamento serão os mais capacitados para isso: o Gabriel e a Cassi”, indica.
Hoje, Rodrigo já evita viajar com a companhia. Mas esteve na estreia, em São Paulo. “Pensei muito, mas achei que precisava estar, por causa dos 50 anos”, situa, ponderando que essa redução do ritmo de trabalho não significa uma aposentadoria. “Não quero parar, mas veja: passei a vida inteira em hotel, aeroporto e avião. Já estou com 70 anos. Está na hora de desacelerar”, esclarece.
O que o Corpo quer da gente é coragem
Sobre a responsabilidade de pegar o bastão, Cassi não se faz de rogada. “Acho que isso foi algo que aprendi com eles: nunca tive muito medo de ‘subir no boi’, de enfrentar o touro. Eu gosto. As Paralimpíadas (ela dirigiu a coreografia da abertura em 2016) foram uma experiência extremamente diferente, e eu era muito nova. Mesmo assim, abracei. Dirigi o Balé da Cidade de São Paulo por dois anos. Então, sim, eu gosto de grandes desafios”, avalia.
Para ela, o Grupo Corpo parece estar sempre um passo adiante. “E para isso é preciso coragem. E coragem, eu tenho”, crava. “Se me sinto preparada? Hoje, me sinto mais experiente. Em 2015, quando o Paulo me chamou para a ‘Suíte Branca’, fui pega de surpresa. Tinha saído da companhia havia apenas dois anos. Ali, o frio na barriga foi enorme. Aqui, já estou com a quilometragem mais garantida. E sigo aprendendo”, lembra.
Cassi acredita, porém, que ainda é cedo para falar em sucessão. “É algo que vai ser construído nos próximos anos. Hoje, sinto que estou chegando para somar, mais do que assumir. E talvez seja assim mesmo que se começa uma nova fase: com passos firmes, mas em sintonia com o grupo”, pondera.
Serviço
O quê. Grupo Corpo apresenta "Piracema"; temporada inclui também o balé 'Parabelo'
Quando. A partir desta quarta (27/8); até segunda (1º/9). Quarta, quinta, sexta, sábado e segunda, às 20h; domingos, às 18h
Onde. Grande Teatro Cemig Palácio das Artes (avenida Afonso Pena, 1.537, Centro)
Quanto. Ingressos esgotados