Quão difícil é contar uma história que envolve racismo, violência sexual e doméstica e misoginia sem fazer dessa narrativa um drama tenso e pesado? Seja como for, o cineasta ganês Blitz Bazawule parece ter aceitado – e cumprido com êxito – esse desafio em “A Cor Púrpura”, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (8). O longa-metragem é inspirado no romance homônimo escrito pela norte-americana Alice Walker (ganhadora de um Pulitzer pela obra) e que foi adaptado para os cinemas pela primeira vez em 1985, pelas mãos de Steven Spielberg.

Assim como a primeira versão, a direção de Bazawule constrói de forma delicada a difícil jornada de Celie, uma menina preta que vive na Geórgia (EUA) do início do século XX e que conhece os mais diversos tipos de violência: engravida duas vezes do próprio pai na adolescência, é obrigada por ele a se casar com um homem violento, e este, por sua vez, a separa da amada irmã, Nettie. Mas, enquanto a primeira obra é capaz de provocar angústia e lágrimas em quem a acompanha, o filme do diretor nascido em Gana imprime sensações de esperança de que, em algum momento, a vida terrível de Celie culminará em um final feliz.

Talvez a escolha de Bazawule por fazer um musical se reflita na aura mais leve do filme. Quando aparecem, as canções dão mais frescor e doçura à narrativa. Além disso, o tom das músicas de “A Cor Púrpura” lembra o dos corais protestantes, e as letras trazem mensagens de uma generosa fé em Deus. As paisagens naturais e douradas pelo sol também dão contornos mais suaves à trágica história.

Mas essa característica não faz o filme perder a força, pelo contrário. Na trama de Bazawule, que acompanhou Beyoncé na direção do álbum visual “Black Is King” (2020), Celie não é uma personagem passiva em busca de um salvador para tirá-la da miséria. Mesmo machucada por uma violência atrás da outra, a protagonista assume uma posição mais ativa e consegue se colocar diante dos agressores, ainda que timidamente. E isso é possível graças aos laços de amor e amizade que constrói com duas personagens femininas ao longo da trama, a cantora Shug Avery e a “nora emprestada”, Sofia Butler.

Elenco de peso

Para viver Celie, o cineasta convidou a atriz e cantora Fantasia Barrino, que, inclusive, já havia interpretado a mesma personagem no musical homônimo da Broadway, da dramaturga Marsha Norman – obra na qual Bazawule também se inspira. Fantasia substituiu com esmero a então estreante Whoopi Goldberg, responsável por um papel impecável na versão do diretor de “Tubarão” (1975) e de “ET” (1982). Whoopi, aliás, faz uma ponta no musical como a parteira de Celie.

A atriz divide o protagonismo com Taraji P. Henson (“Estrelas Além do Tempo”), que vive a sensual Shug Avery, cantora de blues e amante do marido de Celie, o bruto Albert “Mister”, interpretado pelo ator Colman Domingo. Uma das maiores expectativas de interpretação, porém, estava sobre a personagem Sofia Butler, que, na trama de Alice Walker, é uma mulher corajosa que não apenas não tem medo da figura masculina, como bate nos homens que ousam agredi-la. 

Na versão de Spielberg, o papel é desempenhado brilhantemente por Oprah Winfrey, que agora atua como produtora do musical juntamente do próprio Spielberg. Na adaptação mais recente, é a atriz Danielle Brooks quem assume esse papel com maestria. Não à toa, a artista, que ficou conhecida por seu papel em “Orange Is The New Black”, está concorrendo ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante.

Essa, a propósito, é a única menção do filme à Academia neste ano. “A Cor Púrpura” de Spielberg recebeu 11 indicações ao Oscar, incluindo melhor filme, melhor atriz (Whoopi Goldberg) e melhor atriz coadjuvante (Oprah Winfrey), mas não levou sequer um prêmio. A torcida pela estatueta só pode estar grande, portanto.