CINEMA

André Novais realiza uma das mais belas histórias de amor passadas em Minas

Filme 'O Dia que Te Conheci' é um dos grandes destaques da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Por Paulo Henrique Silva
Publicado em 30 de outubro de 2023 | 14:47
 
 
 
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SÃO PAULO - A cinematografia mineira não é tão extensa para corrermos o risco da imprecisão e do atropelo, o que nos deixa à vontade para afirmar que “O Dia que Te Conheci” é a maior história de amor já realizada em nosso território. Mais do que isso: o filme figura ainda entre as mais bonitas narrativas de afeição por Minas Gerais, em especial Belo Horizonte.

Esse carinho presente no novo longa-metragem do premiado cineasta André Novais Oliveira, apresentado no sábado na 47ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, está desde o nosso jeito muito particular de expressar à própria geografia, trilhando um caminho de grande ternura nas andanças dos protagonistas vividos por Renato Novaes e Grace Passô.

“O Dia que Te Conheci” é um road movie afável e bem-humorado sobre o ser mineiro, longe da caricatura que geralmente se impõe nesses registros. Em seus trabalhos anteriores, o cineasta já exibiu uma facilidade muito grande de retratar o linguajar do cotidiano e, desta vez, ele surge à serviço da construção de uma história amorosa, transposta em gestos tímidos e falas que quase não dizem nada.

É como se a verdadeira história se desse nos entreatos, nos intervalos dos acontecimentos. Os diálogos são longos, mas, em nenhum momento, se tornam aborrecidos. Dentro deles ocorre a mágica, uma conversa aparentemente banal, muitas vezes, que vira o ponto de partida para criar aquela contagiante sensação muito presente nos romances americanos, fazendo nascer a nossa torcida por um desfecho feliz.

O longa é devedor de uma tradição que apresenta o protagonista como uma espécie de loser, incapaz de se adequar as normas. Toda uma primeira etapa, entre acordar atrasado e gastar boa parte do tempo dentro de um ônibus rumo ao serviço, tem essa função. Tudo parece contribuir para o que se configura como um dia de azar. Essas cenas são engraçadas, mas não são carregadas de preconceito.

O bibliotecário vivido por Renato Novais é parente próximo do personagem principal de “Folhas de Outono”, de Mika Kaurismaki, outro título presente na Mostra. Solitários, vivendo apenas o suficiente para seguir o dia a dia, precisam que algo lhes tire desse automatismo. Esse elemento pode estar próximo do que se imagina, só necessitando de uma ação do destino para a sorte começar a mudar. 

No caso de “Folhas de Outono”, a perda do emprego de uma repositora de supermercado é o causador do encontro transformador. “O Dia que te Conheci” percorre solução semelhante, brincando com aquela máxima de que o azar o jogo traz um efeito inverso no campo amoroso. A diferença é que, na produção de Kaurismaki, a relação do casal central se constrói nos silêncio. No filme de Novais, no proseio.

Aqui definimos “proseio” como um simples “humhum”, uma frase inacabada, a repetição de palavras ou questões, numa cadência muito própria do mineiro. Por assim, quase o oposto da assertividade, mas é como se esse ritmo fizesse parte do jogo. O riso no espectador muitas vezes vem de nervoso, como se quisesse pular as pausas e acelerar os acontecimentos. 

Quando se dá conta, o público já está fisgado por esse casal, enxergando a peça que faltava para a mudança na vida dele a partir do simples entendimento de uma prescrição médica. Talvez esteja aí o principal ingrediente de simpatia do filme, ao rever tradições da cultura mineira, sobre o papel organizador da mulher, se podemos dizer assim. Não por acaso, o bibliotecário passará a acordar no horário certo.

Esse olhar sobre o “homem errado” é o que cimenta os trabalhos de boa parte das obras da produtora Filmes de Plástico, de Contagem. Há um tom respeitoso e agridoce nessas configurações familiares, na maneira como a resposta aparece entre uma ação do destino e o encontro com aquela peça que faltava. É como se dissessem que tudo depende da forma como olhamos as coisas.

(*) O repórter viajou a convite da organização da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

 

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