Um longo inverno de quase cinco décadas foi o tempo preciso para que a Ave Sangria, cultuada banda pernambucana de rock psicodélico, lançasse seu segundo álbum. A estreia com o disco homônimo, “Ave Sangria”, em 1974, despertou o interesse dos jovens da época e causou arrepios na ditadura militar, que censurou o grupo sucessivas vezes e chegou a retirar a obra das lojas – fazendo com que os integrantes seguissem outros planos e dessem um tempo na música.

Em abril, porém, esse longo hiato foi quebrado com “Vendavais”, que chegou às plataformas digitais e em edição física em CD. Os integrantes originais Marco Polo (voz), Almir de Oliveira (voz e guitarra-base) e Paulo Rafael (guitarra solo e viola) se reuniram novamente em 2014 e começaram a pensar o projeto com músicas inéditas compostas entre 1969 e 1974. “Naquela época, éramos jovens, e os mais velhos encarceraram nossa obra musical. Hoje, somos os mais velhos, e os jovens nos libertaram do cárcere cultural”, comenta Almir de Oliveira. 

O álbum, disponível em CD e em meios digitais, tem 11 faixas e vai ganhar versão em LP no segundo semestre. Completam a formação para o disco Juliano Holanda (baixo e backing vocal), Gilu Amaral (percussões) e Júnior do Jarro (bateria e backing vocal). 

A banda se apresentou algumas vezes nos últimos anos e tem matado a saudade dos palcos em apresentações de “Vendavais”. No próximo dia 27, por exemplo, o Ave Sangria toca no Festival de Inverno de Garanhuns, em Pernambuco. “Estamos em busca de festivais. A gente quer fazer show”, diz o músico.

O retorno

Todas as letras de “Vendavais” são de Marco Polo, duas delas em parceria com Oliveira: “A gente tem uma sincronicidade muito grande para compor”, comenta. “O Poeta”, cheia de guitarras e um ar psicodélico, abre o disco. “É um tango, mas tango Ave Sangria, com nossa leitura”, explica o guitarrista. 

“Olhos da Noite”, na voz de Almir de Oliveira, tem pandeiro, viola caipira, baião e capoeira, e quatro versos de Marco Polo que se repetem ao longo de pouco mais de seis minutos. “O verdadeiro olho da noite/ É um buraco branco no meio do céu/ O verdadeiro olho da noite/ É um buraco cego no centro do céu”.

“Vendavais” é, essencialmente, um disco de rock com elementos de outros estilos permeando todas as faixas. “A gente não pensou em fazer um disco assim ou assado: foi natural. A liberdade de ser e de se expressar é uma das riquezas que a gente tem na vida e que o Ave Sangria não abandona”, afirma Oliveira. A dançante “Sundae” mescla o ritmo nordestino, o rock e a fantasia na letra de Polo e Oliveira, que a compuseram em 1973, quando ambos moravam em Salvador: “E se o céu soprar/ Uma nuvem verde-mar/ Bailarinas minas lindas línguas lábios/ Lambem o sol”. 

Para Oliveira, o que não mudou de 1974 para 2019 é o viés político brasileiro de conservadorismo. Para ele, vê-se uma volta ao século XVII. No entanto, o músico não baixa a guarda: “Minha guerra nunca vai ter fim, a nossa luta política também não. Nosso discurso é o mesmo desde 1974”, diz. Basta escutar “Vendavais” com a cabeça aberta para saber o que o Ave Sangria tem a dizer.